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O zap da discórdia

Como a política envenenou as conversas de parentes no aplicativo

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 24 nov 2024, 08h00

Grupos de whatsApp existem aos milhares. Inclusive os de família. No início, achei que participar seria uma boa ideia. Nos tempos de hoje, é difícil encontrar presencialmente todo mundo, o tempo todo. Há primos que não vejo há muitos anos, mesmo tendo saudades de ver. Achei ótimo falar de vez em quando, mesmo que só por mensagens escritas e faladas. Bem… no início foi ótimo. Minha mãe teve onze irmãos, todos com no mínimo três filhos, às vezes bem mais. Multiplicados primos e filhos, daria para eleger um vereador, acredito. Então, os primeiros contatos foram animados e felizes, inclusive com parentes que eu nem conhecia. O que você faz? Como vai a vida? Fiquei ressabiado quando vários primos falaram sobre os bons caminhões do passado. Muitos lamentaram não ter seguido sua grande vocação: motorista de caminhão. Puxar uma carreta, enfim. Como não teria a ousadia de dirigir uma Kombi, e mesmo nos carros sou tímido, não consegui aderir à conversa. Afastei-me. Ainda bem. O tema logo se deslocou. Em vez de comemorarmos aniversários, bebês e aposentadorias, partimos para o grande tema do momento: política. Não foi uma passagem pacífica. Os primos, tão felizes de retomarem o contato, logo começaram a discutir Bolsonaro versus Lula. Com preferências divididas, como em todo o resto do país. Alguns, como meu irmão Airton, tentaram pacificar, lembrando que o grupo era para a gente retomar o contato, voltar à amizade de infância. Tarde demais. O plano inicial era fazer uma festa entre todos nós. Rapidamente, percebi que teria de ser num ringue.

“O plano era fazer uma festa entre todos no grupo da família. Logo percebi que teria de ser num ringue”

Houve, sim, momentos emocionantes — como quando falaram da minha mãe com saudades e de outras mulheres da família que cuidavam da gente quando crianças. E que nos fazem tanta falta. Mas o espírito belicoso venceu. Não se conversou mais sobre fotos antigas nem lembranças de infância. Nem mesmo trocamos receitas de doces das vovós. Pelas costas, alguns primos diziam que o outro era um asno, no mínimo. Muitos, como eu, passaram a falar só de vez em quando. Ficaram os que continuam se atacando.

Por que a política divide tanto as pessoas? Claro, todo mundo tem direito a uma opinião. Mas estou falando de gente que nunca mais se viu e que teoricamente desejava refazer os laços. Óbvio, ninguém poderia imaginar que todos tivessem as mesmas opiniões. Mas agressões? Ainda houve pedidos para que quem quisesse falar de política formasse um novo grupo e evitasse o assunto no geral. Não adiantou. Assim como não adiantou no meu grupo de condomínio rural, ou nos encontros entre amigos e conhecidos.

Acho ótimo que as pessoas expressem opiniões políticas e também acho correto que as tenham diferentes das minhas. Eu vivi no tempo da ditadura militar e sei o que é censura, proibição, o risco de se expressar. Mas atacar o outro frontalmente não é também atacar seu direito de expressão?

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Resultado: sumi do grupo de primos, que continuam se engalfinhando. Não podemos simplesmente lembrar como eram bons os Natais nos tempos das vovós?

Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920

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