Se existe uma terra árida, com ruas macabras e perigosas, é onde vivem os grupos de família do WhatsApp. Claro que família é bom. Podemos lembrar dos tempos de outrora, com recordações róseas, embora nossas avós discutissem e cortassem relações com o mesmo empenho de hoje em dia. Mas antigamente não tinha o tal WhatsApp, e certas coisas podiam esperar para ser ditas e — graças a Deus — esquecidas. Quem nunca saiu ferido de um grupo do tipo? Escrevendo este texto, consigo ver minhas cicatrizes. Há pouco tempo, duas primas me pediram uma grana emprestada. Expliquei que não seria possível naquele momento. Na mensagem seguinte, avisaram que já tinham comprado querosene para se suicidar no fim de semana. Acredito que quem avisa nunca faz, e esperei tranquilamente pela segunda-feira. Lá estavam elas no grupo de primos, e não se tocou mais no assunto — pelo menos comigo. Aprendi a identificar os maiores vilões das ruas whatsappianas: tios que propagam fake news, tias que produzem e distribuem mensagens positivas de bom-dia, correntes religiosas e lutam para me ver pagar promessas que elas mesmas fizeram em meu nome. Há também os primos e sobrinhos cheios de razão que querem me convencer a virar vegano, adotar cães de rua, entrar no crossfit… São os justiceiros sociais da família. Há os que fazem piadinhas de que ninguém ri. As mensagens passam rapidamente, e quando percebo já perdi a chance de mandar um emoji ou mesmo de resgatar um velho meme. Cada um vai desenvolvendo seu estilo de passear por essas paragens. Adoro os que trocam fotos. Mas, em compensação, inevitavelmente chega o dia em que o grupo cai na política. O simpático “Primaiada” vira uma arena de guerra, um espelho do Brasil. Tento pacificar, digo que estamos lá para reatarmos os laços de família. Inútil. Querem resolver o destino do país. Primos que eram amicíssimos desde crianças brigam definitivamente pelo voto das últimas eleições e aiiii… Das próximas! Tento fazer o bom senso prevalecer. Para que falar de política se temos tantas vidas a resgatar, histórias para contar? Não temos o bolo da vovó para relembrar? As várias vezes que passamos o Natal juntos, as pequenas grandes tragédias familiares? Os hábitos divertidos de nossas mães?
“Por trás de cada mensagem há uma pessoa com quem já convivi. O importante é não brigar”
Em vez de entrar nas discussões políticas, sigo usando e abusando dos emojis. Para mim, é a forma mais tranquila de me expressar nesse caldeirão efervescente. Não posso esquecer que minha família é de origem espanhola, e todos nós, na primeira oportunidade, batemos as castanholas. Mesmo assim, recorro aos emojis para sair de fininho dos grupos mais acalorados. Adiantou? Dia desses, meu próprio irmão me excluiu do grupo que ele administra. Ainda não sei por quê. Pior, tenho medo de telefonar e descobrir.
Mas não dá para esquecer que somos uma família. Por trás de cada WhatsApp, há uma pessoa com quem já convivi, brinquei quando era criança e mostrei a língua em algum momento. O importante é não brigar nesses grupos, e ficar sempre de olho. No mínimo para ser convidado para o próximo churrasco.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910