Muitas vezes sou pessimista. Olho para o futuro (não só o meu) e vejo, escancarada, a solidão. Lembro de minha mãe cercada de crianças — primeiro nós, os filhos, mais tarde os netos (e ela alcançou alguns bisnetos). Que restou desse juventude alegre, risonha e brincalhona? Uma irmã se mudou para longe, outro irmão casou-se com uma magricela que não gostava dela. Os filhos cresceram, a história se repetiu: a cunhada não se dava bem com a família, um dos filhos se tornou uma criatura amarga que nunca ia visitá-la, e assim por diante… Não conto essas pequenas histórias para assustar. Mas é assim. O tempo passa, as pessoas se afastam, algumas se aproximam. Sem fazer contas, tenho para mim que o número das que se vão é maior que o das que ficam ou, mais ainda, das que chegam. As relações secam como ramos de parreira em dias sem sol.
E a solidão, que era uma possibilidade, torna-se a regra. Por isso, amigos são preciosos. Alguns ficam chatos com a idade, outros contam as mesmas histórias. Acabo de encontrar uma amiga que não teve com quem passar o Ano-Novo. Outra, pior: ficou sozinha no Natal. Creio que não há nada pior que ouvir, sozinho na sala, os ecos dos desejos da casa alheia, o bater dos copos. Enfim, os pequenos ritos no rastro da felicidade. A alegria alheia dói porque expõe nossa solidão. Mas é assim: quando jovem a gente escolhe festas e brinda os presentes; com a idade, comemora um panetone que alguém lembrou de levar mas não, não pode ficar, ficou de passar na casa de alguém que ninguém conhece. Eu me orgulho de contar que tenho amigos desde a infância, também pessoas que me acompanham desde a juventude e comemoro afetos de muitos anos. É um troféu.
“Todo final de ano faço um balanço. Se o resultado é positivo, ergo um brinde especial aos amigos”
Claro que nesse anos de amizade houve brigas. Uma amiga que sempre foi importante para mim tinha sumido após uma briga horrível. Cortamos uma relação profunda por bobagem, pensando bem, quase nada. Foram três anos em que mal nos falamos. Eu passava em frente a restaurantes onde jantávamos juntos e sentia o coração cortado. Ela me escrevia e eu, teimoso, não respondia. Tenho muito a agradecer ao celular. Ficar como um burro empacado, ela brava… Pra quê? Tomamos juntos as iniciativas neste final de ano. Ela deixou claro quanto queria me ver, eu esqueci uma antiga mágoa que nem faz sentido hoje em dia. Limpamos tudo e a nossa amizade ganhou o brilho de um espelho.
Romper relações, brigar pra quê? Amizade é uma construção, um templo erigido através dos anos, que não vale derrubar com um sopro. Agora sei. Amizade, eu descobri, depois de tantas perdas e rompimentos, não tem valor que pague. Ter alguém para se apegar — não importa a idade — é o mais importante. Alguém que venha me visitar em caso de doença, dar um abraço na hora da tristeza.
Todo final de ano faço um balanço. Quem se foi, quem ficou, quem eu trouxe de volta para minha vida? Se o resultado é positivo, ergo um brinde especial aos amigos. É o amor que permanece até o fim.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874