Estou no meu computador de mesa, escrevendo. Na estante logo atrás, há uma máquina de escrever antiga. Abaixo dela, outra, mais nova, mas que se encaixa na mesma categoria: antiga. E o próprio computador também, porque hoje todo mundo usa laptop e só dinossauros como eu insistem no de mesa. Assim como as máquinas de escrever, foram-se as canetas-tinteiros, o caderno de caligrafia que me fez sofrer na infância… Existir, existem. Mas tornaram-se objetos de colecionador ou de gente teimosa, como os que insistem nos discos de vinil. Para quê, se música tem no celular? E por falar em celular… Conheço gente que só sai de casa com o seu e mais nada. Nele estão os documentos, carteira de motorista, cartões de crédito, aplicativos para fotos, vídeos e música. Tudo mais foi embora. Simplesmente são coisas e hábitos que deixaram de existir e ninguém sentiu falta. Pelo contrário, todos sentem-se muito mais confortáveis com um aparelhinho só, que concentre tudo. Há objetos que perderam sua utilidade e viraram enfeites, como um gramofone na sala. Mas logo partirão. As salas estão menores, e logo não haverá espaço para enfeites. A história é dividida em eras. Sei que estamos na da tecnologia. Mas não será a do adeus a um mundo que, já, já, não existirá mais?
Eu me sinto velho, velho, com as estantes cheias de livros que já podem ser digitais. Eu não sei quanto tempo faz que não pago alguma coisa com cédulas. Saíram do cotidiano. Tudo é cartão de crédito, Pix. Jamais imaginei que até o dinheiro ia sumir. Mas, fisicamente, está desaparecendo. No máximo é um número no aplicativo bancário. Quando a gente para para pensar, o mundo se transformou, é virtual. Parte das relações humanas também. Flertar, como era mesmo? Basta entrar em um aplicativo, conhecer alguém. Casar? Só para fazer a festa e ganhar presentes. Em um bom número de casos, a estabilidade no casamento é tão ultrapassada quanto uma vitrola. Sumiu. Tudo passa rapidamente diante de meus olhos. E, francamente, sinto saudades do tempo em que as coisas eram mais demoradas e duradouras.
“Sinto saudades de tudo que perdi, como de um disco de vinil. Às vezes só queria que o mundo parasse”
Não sou saudosista a ponto de achar que o mundo deve permanecer igual. Ainda bem que evolui o tempo todo e que coisas consideradas impossíveis até há pouco hoje fazem parte do cotidiano — como a máquina de fazer sorvete em casa, que delícia! Mas a rapidez das transformações dos objetos, a velocidade com que ficam obsoletos, mexeu com a gente também. Já não temos relacionamentos tão duradouros. Lembro de amigos da infância, do colegial, e me pergunto: cadê?
Eles se foram. Tanta gente deixou de fazer parte da minha vida! Outras pessoas se aproximaram, mas quanto tempo vão ficar? Ou já não sabem estacionar em amizades, abraçar o amor? Sinto saudades de tudo que perdi, como de um disco de vinil. Vejo que ainda vou perder muito em tempos inconstantes! Sinceramente, às vezes só queria que o mundo parasse um pouquinho para viver profundamente as emoções.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912