Outro dia, um amigo me contou orgulhoso que comprou uma casa automatizada e inteligente. “Alexa, liga a luz”, “Siri, fecha a cortina”. O ar-condicionado decide sozinho quando se deve sentir frio ou calor. Meu amigo acorda e diz: “Bom dia, casa!”, e a casa responde com notícias, café passado e a previsão do tempo. Dá uma bronca por não beber água suficiente — ajudada pelo smart relógio que conta suas passadas e até prevê quantas calorias vai perder no dia. Achei a residência de meu amigo maravilhosa e resolvi automatizar a minha também. Instalei tudo: luz, cortina, cafeteira, até a privada só falta dar bom-dia. Mas esquenta, higieniza, tem personalidade e vida própria. Confessando: é japonesa e, lá no Oriente, é mais que comum.
Parece que minha casa é psicóloga e coach de estilo de vida. Sugere meditação, playlist relaxante e me lembra que devo caminhar mais. E que também devo respirar profundamente e mergulhar em mim mesmo… Claro que não me dá parabéns quando acerto. A casa quer me fazer evoluir a todo custo. E automação tem dessas: é inspirada diretamente por um estilo de vida zen-budista. Outro dia pedi pra casa trazer paz e ela me conectou direto em uma live de ioga. E quando pedi surpresas boas, a campainha tocou sozinha sem ninguém na porta. Acho que até os fantasmas entraram no wi-fi.
“Adoro tecnologia. Mas, se um dia a cafeteira me der bronca por tomar muito café, mudo para a floresta”
Está sendo um grande desafio. O controle remoto, que antes só mudava de canal (quando eu não errava), agora também comanda o blecaute, a cortina, o aquecimento da banheira e o som de todos os ambientes, sem contar todas as luzes da casa. Melhor ainda: está instalado no próprio celular. Tanto que meu celular, que deveria só me conectar com outras pessoas, resolveu avisar que a geladeira está com sede. Sim, com sede, e corro botar água pra fazer gelo. Mas nem tudo é um mar de rosas. Eu dou o comando “apagar luz da sala” e o sistema liga o micro-ondas. Peço “colocar música clássica” e a casa entende “forró no último volume”. Às 2 da manhã, acordo com o aspirador de pó rodando sozinho como se tivesse vida própria. E tem o risco do exagero, se passo o dia dando ordens para a casa: “tranca a porta”, “abre a cortina”, “liga a TV”, “desliga a TV”, “liga a TV de novo”. No fim, quem virou o empregado fui eu! A gente corre o risco de ser escravizado pelo próprio interruptor.
Confesso que tenho saudades de vovó, que tinha a casa mais simples e funcional do universo. Ela dava uma cotovelada e meu avô levantava para apagar a luz. Isso, sim, é automação eficiente. E ainda fortalecia o casamento. Embora não funcionasse quando ela entrava em guerra para ele parar de roncar. Brincadeiras à parte, claro que adoro tecnologia. Só não quero uma casa que seja mais inteligente do que eu — embora ultimamente isso pareça ser difícil. Porque, cá entre nós, se um dia minha cafeteira começar a me dar bronca por tomar muito café, mudo para a floresta.
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963
Otávio Augusto volta a falar sobre Grazi Massafera: ‘Não tem sentido’
Flamengo x Racing na Libertadores: onde assistir, horário e escalações
INSS alerta risco a serviços e pagamento de benefícios após bloqueio de verbas pelo governo Lula
O rompimento definitivo que Lula sinaliza ao nomear Guilherme Boulos
Caso do golpe: como revisão de voto de Fux pode beneficiar Bolsonaro

