Vídeo de ‘ratinho’ no banho faz sucesso, mas pode retratar sofrimento
Publicação original foi vista mais de 53 milhões de vezes, só que evidências por trás de 'asseio' do bichinho inspiram preocupação
O viral de um ratinho tomando banho causou comoção nas redes sociais nos últimos dias. Com mais de 53 milhões de visualizações e 1,2 milhão de compartilhamentos no Facebook, o roedor se ensaboando remete ao bichinho do Castelo Rá-Tim-Bum e todos acharam, a princípio, muito fofo. No entanto, não tardaram a surgir críticas severas.
No Twitter, o ator Erick Krominsky afirmou não se tratar de um rato, mas de um tenreco, família de pequenos mamíferos originários da África que, na natureza, usam areia – e não sabão – para esfregar no corpo. No vídeo, ele poderia estar tentando se livrar do sabão, e estar passando um tremendo perrengue para fazê-lo. Não parece mais tão fofo, não é?
A discussão foi potencializada com a suspeita de crueldade animal. Ante o debate acalorado, a revista americana Newsweek contestou também essa informação: não é uma rato e também não é um tenrecídeo – é uma pacarana, tipo de roedor que habita os Andes.
Dallas Krentzel, um biólogo evolutivo da Universidade de Chicago, disse à publicação que a probabilidade de ser tal espécie é bem maior, já que o vídeo foi gravado no Peru. E que, sim: sabão também é extremamente nocivo a pacas e pacaranas, e o vídeo continua sendo um retrato de sofrimento animal.
Ao tabloide britânico Metro, o DJ peruano José Correa, autor do vídeo, afirmou adorar animais e que estava prestes a tomar banho quando flagrou a cena, e decidiu gravar. “Sou humano, nunca tinha visto aquilo”, afirma. Correa reitera que não interviu na cena: 30 segundos depois, o bichinho saiu correndo e ele apenas o deixou ir. “Nunca pensei em machucá-lo”, completou.
Para a bióloga Helena Truksa, fundadora da empresa comportamento e bem-estar Ethos Animal, sendo um rato ou uma outra espécie de roedor, “utilizar sabão, shampoo ou qualquer produto nestes animais não é necessário e pode ser muito prejudicial à saúde física e psicológica deles, que tentam se livrar da ‘meleca’ em seu corpo”. Para ela, o vídeo pode incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo “para aparecer”.
O zootecnista Renato Zanetti, fundador da Dog Solution, diz que o vídeo é uma “desgraça que viraliza”, e que o mais grave que se vê é a humanização dos bichos. Pode até parecer um ato inocente colocar fantasias em seu cachorrinho e dar banho no gatinho, mas são atitudes que podem causar extremo desconforto no animal apenas com a finalidade de reproduzir práticas familiares aos humanos, ainda que incompatíveis com hábitos silvestres.
“As pessoas têm boa vontade, mas não conhecendo a espécie, pecam pelo excesso”, explica o especialista em bem-estar animal, ao citar outros exemplos comuns de equívocos em cuidados de pets, como colocar perfume em cachorros (que têm olfato extremamente sensível), banhar gatos (que não devem tomar banho) ou mesmo envernizar o casco da tartaruga, o que pode ser letal.
Fofo, pero no mucho
Não é a primeira vez que um vídeo inicialmente considerado encantador pela internet traz um contexto bem menos alegre. Em 2016, tornou-se viral a imagem de um cachorro dançando com seu dono. Usuários do Twitter, no entanto, notaram que o animal poderia ter cinomose, um vírus que causa danos ao sistema nervoso e causa espasmos.
Além disso, a ONG International Animal Rescue teve que fazer um vídeo para explicar que, embora os lóris tivessem reações graciosas ao receberem cócegas, aquilo tinha efeito semelhante a tortura para o bichinho. Como explica Zanetti, ao contrário dos humanos, levantar os braços é, entre marsupiais, um sinal de paralisia causada por medo.
Por que, afinal, gostamos tanto de vídeos de gatinhos?
A veterinária Carolina Rocha, fundadora da Pet Anjo, explica ao blog que o fascínio causado por vídeos de animaizinhos deve-se ao fenômeno da neotenia. Muitos animais, principalmente os que domesticamos, mantém certas características comuns aos bebês, mas durante toda sua vida (olhos grandes e redondos, simetria). Esses traços chamariam, naturalmente, a atenção do ser humano.
Carolina atenta para o fato de que, embora a demanda por pets tenha aumentado conforme as pessoas se sintam mais solitárias em grandes centros urbanos, a busca por conhecimento de comportamento animal não a acompanhou. “Fica sempre no básico, como alimentar, por exemplo”, afirma. E isso podem dificultar o entendimento de quando um animal está em sofrimento ou em apuros.
Embora não acredite que o roedor tomando banho que viralizou esteja necessariamente em uma situação ruim por não tentar fugir e parecer familiarizado com a presença humana, a veterinária dá dicas para entender quando um vídeo pode estar retratando sofrimento animal.
4 dicas para entender se o pet está em apuros
1- Paralisia: se os movimentos do animal “congelam”, ficam estáticos, com músculos tensos, pode ser um sinal de que algo não vai bem: ele está confuso e com medo, mas não consegue fugir.
2- Animal inquieto: por outro lado, se ele está continuamente inquieto, fazendo movimentos erráticos sem parar, pode ser indício de que há algo errado.
3- Olhos: dois sinais podem mostrar a tensão muscular no rosto; ou olhos muito abertos ou fechados demais, comprimidos.
4- Ferramentas usadas para a domesticação: muitas vezes o animal pode apresentar um porte bonito ou ser treinado para movimentos mais humanos, pouco naturais. Quais foram os instrumentos usados para treiná-lo? Se é possível perceber uma coleira muito apertada, com espinhos, ou algo que cause desconforto físico, não é um bom sinal.