‘O Sacrifício do Cervo Sagrado’: tragédia grega em tempos modernos
Estranhamento dos planos muito compostos e das atuações sem inflexão, a trilha comovente e o enredo enregelante fazem do filme uma experiência singular

(The Killing of a Sacred Deer, Inglaterra/Irlanda/Estados Unidos, 2017. Estreia no país na quinta-feira, 8) Sensação desde Dente Canino (2009) e O Lagosta (2015), o cineasta grego Yorgos Lanthimos tem um trabalho peculiaríssimo, aparentado com o teatro surreal de Eugène Ionesco — uma autópsia metódica do banal, a fim de expor o absurdo que ele contém. O procedimento está implícito até nos títulos: assim como não se vê Colin Farrell virar lagosta em O Lagosta, nem há cervo neste filme, a ideia deles domina as tramas. Aqui, Lanthimos relê a tragédia grega Ifigênia, de Eurípedes (na qual o rei Agamêmnon tem de sacrificar sua filha como restituição por ter matado um cervo sagrado). Farrell, de novo o protagonista, é Steven, um cardiologista de Cincinnati, Ohio, que alguns anos antes perdeu um paciente numa cirurgia. Desde então, aproximou-se do filho dele (Barry Keoghan), um rapaz que agora parece ser o responsável pela paralisia que acomete primeiro o filho pequeno de Steven e depois sua filha adolescente. A mulher do cirurgião (Nicole Kidman) será a próxima, diz o rapaz, que exige a morte de um deles como condição para salvar os outros. O estranhamento dos planos muito compostos e das atuações sem inflexão, a trilha comovente e o enredo enregelante fazem desta uma experiência singular.