Uma conversa olho no olho com Jimmy Page
Como o ex-guitarrista do Led Zeppelin se emocionou com Burt Bacharach a ponto de falar sobre assuntos desagradáveis, relacionados à biografia do grupo

Num depoimento para um documentário sobre a revista Rolling Stone, Bono, vocalista do U2, disse que toda entrevista é “um jogo”. O entrevistado está ali para falar de seu último trabalho e tenta despistar qualquer pergunta mais pessoal (ainda que eu tenha arrancado algumas boas declarações quando o entrevistei, em 2004; mas é assunto para outro post). O entrevistador, por sua vez, quer algo melhor do que os protocolares “é o nosso disco mais maduro”, “estamos passando pelo melhor momento de nossas carreiras” ou, no caso de agenda para jornalista brasileiro, “meu sonho é tocar no Brasil”. Cabe ao repórter se portar como um soldado de Henrique V (“once more unto the breach, my friends!”), tentando abrir flancos em meio a uma conversa burocrática e cronometrada. Às vezes, a batalha se revela inútil – seja por falta de empenho do entrevistador ou porque o objeto de sua pauta não tem nada para dizer. Em outros casos, ela pode virar uma ladainha estilo Caetano Veloso, na qual ele tece teorias até sobre a campanha do Flamengo. Mas há momentos em que aquele flanco se abre e o entrevista realmente dá respostas emotivas, passionais e pessoas sobre a sua trajetória, revelando até assuntos proibidos pela sua assessoria. E nesse caso, basta apenas uma pergunta…
Jimmy Page foi um desses acontecimentos mágicos. Em 1998 eu, o repórter fotográfico Jorge Rosenberg (ambos pela BIZZ/SHOWBIZZ) e outros dois profissionais de uma revista de rádio fomos a Istanbul, na Turquia, assistir ao show da dupla Page & Plant, que estava lançando o álbum Walking into Clarksdale. Eles dariam uma entrevista individual no dia seguinte ao da apresentação. A gravadora da dupla, a PolyGram (atual Universal), fez uma burrada que acabou por se tornar nosso grande trunfo. Eles nos perguntaram se caso tivéssemos de escolher entre Jimmy Page e Robert Plant, qual deles seria melhor para a nossa pauta. Page, claro, foi a resposta óbvia. O departamento internacional da companhia mandou então um fax informando ao tour manager de Page & Plant que a entrevista seria apenas com Jimmy Page (depois, eu até tentei falar com Robert Plant. Enchi a paciência do manager, que finalmente me deu cinco minutos com o ex-vocalista do Led Zeppelin. Como presente, ganhei um “não se atreva” ao mostrar meu gravador, seguido por um “I don’t caaaaaaaaaare”, quando mencionei meus suados cinco minutos aos quais eu tinha direito). Melhor, com o guitarrista daria para fazer uma entrevista mais direta.
Havia, no entanto, um grande problema. Eles acordaram de péssimo humor, fruto da incompetência da equipe do Bostanci Gösteri Merkezi, local que sediou a primeira performance da turnê. O povo da casa de espetáculos deixou uma multidão estacionada no local reservado aos fotógrafos. Estes, por sua vez, puderam registrar o show inteiro e não as três primeiras canções, como é normal em eventos dessa categoria. Com isso, havia imagens explícitas da enorme barriga de Page e das entradas de calvície de Plant. “Cuidado que hoje eles não estão de papo”, confidenciou Ross Halfin, um dos maiores fotógrafos de rock da história, e que estava acompanhando a turnê. “Eles estão velhos, de saco cheio de tudo, nem queremsair para fazer as fotos do livro da excursão.” Page chegou para a entrevista com uma vistosa camiseta rosa e calça preta. As respostas saíam cuspidas e com cara amarrada. Tentei então fazer perguntas para Page, a lenda dos estúdios de gravação na Londres dos anos 1960. Ele continuou amuado, mesmo quando falei de Little Games, último disco dos Yardbirds (banda que reuniu a santa trindade da guitarrista inglesa: além dele, passaram por ali Eric Clapton e Jeff Beck), e sua busca pela sonoridade pesada do Led Zeppelin.
A última cartada foi Burt Bacharach. Sabia que Jimmy Page havia tocado em Hit Maker! Burt Bacharach Plays His Hits, disco que o maestro lançou em 1965. Eu tinha assistido a Austin Powers, comédia estrelada pelo ator Mike Meyers, no qual ele vivia um espião que ficou congelado por mais de três décadas – e que trazia, entre seus pertences, justamente aquele disco de Bacharach. De repente, Jimmy Page se abriu. Se emocionou, falou dos tempos em que tocava como músico de estúdio e deu dicas que eu mais tarde usaria nos meus relacionamentos com orquestras (“O povo das cordas é fresco, só quer saber de jardinagem. Vá na turma dos sopros que é boa de copo e de papo”, entregou). Mais relaxado, Jimmy Page falou até sobre Hammer of the Gods, biografia não autorizada do Led Zeppelin, no qual são entregues todas as orgias e problemas do grupo com drogas (livro que virou um conto de carochinhas perto das histórias do quarteto californiano Mötley Crüe, mas vamos lá). Com vocês, Jimmy Page.
Bom dia, como vai seu português?
Muito mal (risos). Não tenho tido tempo para praticar.
Você nunca mais voltou à sua casa em Lençóis (a 425 km de Salvador, BA)?
Eu não posso mais morar em Lençóis! Não consigo andar na rua sem que as pessoas apontem para mim: “Olha, é o Jimmy Page!”. Outros chegam à cidade e vão direto para a minha casa, esperando que eu apareça. Não tenho mais o sossego que eu tanto procurava quando fui morar lá. Mas eu amo o Brasil.
Ouvi dizer que você chorou depois de seu primeiro show no Brasil (em janeiro de 1996, no Hollywood Rock). É verdade?
Sim, é verdade. Foi tão emocionante! Eu havia visitado o Rio nos anos 70, mas não consegui sair do hotel. Em minha segunda ida ao Brasil, fui à Bahia e conheci pessoas maravilhosas. Esses meus amigos de Salvador vieram para o Hollywood Rock de ônibus – o que é uma viagem e tanto. Depois do show, eu os encontrei no camarim e chorei. Muito!
Como está sendo esta turnê pelo Leste europeu?
(Risos) Preciosa. O público dos concertos é composto por fãs que tinham de adquirir nossos discos no mercado negro – eles eram proibidos pelos governos comunistas. Grupos de 30 pessoas faziam uma vaquinha e ouviam os álbuns escondidos, com medo de serem pegos pela KGB.
Dá para imaginar como estão sendo as apresentações: velhos fãs da gente – não tão velhos, velho sou eu! – chorando. Porque os grandes sucessos do Zeppelin os fazem recordar daquela época. Foi assim em todos os países que nos apresentamos até agora: Croácia, Hungria, Checoslováquia, Bulgária e Romênia.
O show de vocês está num formato mais econômico. Quatro ou cinco músicos no palco, poucas misturas étnicas e muito rock. Por quê?
Eu gostei da experiência de tocar com orquestra. Mas ela também me deixava meio constrangido, porque eles tinham de ler as partituras – o que não dava muito espaço para a improvisação. Agora temos mais chances para improvisar.
Há planos de trazer esta turnê para o Brasil?
Devemos tocar no Brasil em novembro ou dezembro. Eu gostaria imensamente de tocar em Salvador. Pena que seja tão complicado, porque os promotores de show pensam apenas no Rio e em São Paulo. Pensando bem, acho que só tocaremos novamente no Brasil se reservarem uma data para Salvador.
Hoje vocês estão pensando mais em grupo? Eu vi que o disco novo tem créditos para Charlie Jones (baixista) e Michael Lee (bateria). Qual foi a colaboração deles?
Na verdade, foi muito mais uma gentileza minha e de Plant (risos). Nós basicamente compusemos o disco inteiro. Em When I Was A Child, por exemplo, eles adicionam uma ou outra batida. Não, vou falar a verdade: eles escreveram as letras (risos).
O fato de vocês trabalharem juntos com uma banda fixa sepulta de vez uma volta do Zeppelin com John Paul Jones e Jason Bonham?
Quanto mais eu toco o novo projeto, mais me conscientizo de que não existe a mínima possibilidade de voltar com o Led Zeppelin. John Bonham foi, sem dúvida alguma, o maior baterista da história do rock. E John Paul Jones era um músico legalzinho (nota do editor: tás brincando!’), mas eu não me dou muito com ele – e Robert Plant também não.
Jason não é John Bonham. Não traz nada de novo para a banda. Ele apenas quer tocar rock’n’roll, como os Rolling Stones. Não é o que eu quero para a minha vida. Não queremos ficar presos ao passado. Sim, tocamos música daquela época, mas procuramos nos manter ligados com o que acontece. É melhor para mim e para Robert continuar nossa parceria.
Você se interessa pela música produzida hoje em dia? Tecno, drum’n’bass…
Gosto de todos esses estilos. Adoro Transglobal Underground (grupo inglês que mistura dance com música étnica), Natacha Atlas. Eu até iria tocar com eles num festival. Só que meu filho, que vive com a mãe em Nova York, foi me visitar em Londres. E não tive tempo para os ensaios.
Está sendo produzido um filme sobre o Led Zeppelin….
Não, ele nunca será lançado. Eu tenho direitos sobre as músicas da banda e não vou liberá-las. E como poderão fazer um filme sobre o Zeppelin sem as canções da banda?
A que ponto as biografias sensacionalistas sobre o Led Zeppelin deixaram você chateado?
Você quer dizer aquelas mentiras? Há muitas verdades ali, mas contadas de uma maneira suja. Quando eu morrer, não gostaria que as pessoas lessem aqueles livros e pensassem que fui daquele jeito. Não sou pior do que ninguém. O mesmo pode ser dito em relação aos ex-integrantes da banda.
O fato de Richard Cole, ex-tour manager do Led Zeppelin, ter colaborado com esses livros deixou você ainda mais aborrecido?
Sim (balbucia)… Este homem… Este homem… Ele foi viciado em heroína durante anos e agora resolveu contar as histórias sobre a banda. E sabe o que ele fez? Uma espécie de Alcoólicos Anônimos movido a dinheiro. Nessas instituições, você se apresenta para as pessoas e conta o que aprontou como alcoólatra. Richard Cole simplesmente falou: “Eu trabalhei com o Led Zeppelin! Me dê algum dinheiro que eu te conto uma baixaria de Jimmy Page! Me pague um pouco mais que eu falo sobre Robert Plant!”. Eu fiquei bastante chateado com o primeiro livro (The Hammer Of The Gods, de Stephen Davis, para o qual Cole foi a fonte principal). O segundo – Stairway To Heaven – foi pior: como ele teve coragem de contar aquelas coisas sobre John Bonham? A mulher de Bonzo está viva, imagine-a lendo aquelas histórias!
Bem, eu entrevistei Richard Cole e ele disse que tem amizade com sua ex-esposa, Charlotte. E que volta e meia liga para ela!
Ah, sim! Ele liga para Charlotte dizendo: “Por favor, dê o telefone da minha casa para Jimmy Page! Peça para ele conversar comigo!”
BBC Sessions foi lançado recentemente para comemorar os 30 anos do Led Zeppelin. Você gostou do resultado?
Aquele CD é fantástico. É uma prova da força do Led Zeppelin ao vivo. Pegue as três versões de Communication Breakdown. São todas diferentes entre si e foram gravadas num curto espaço de tempo. Eu fiquei bastante feliz com aquele disco. Mesmo porque não há muitos registros nossos ao vivo.
The Song Remains The Same não é exatamente seu disco predileto, é? Já foi dito que os próprios integrantes do Led Zeppelin repudiam esse álbum.
Ah, eu não ligo para o que os outros caras da banda dizem! Acho The Song Remains The Same fabuloso, uma mostra do quanto conseguimos retrabalhar o material de estúdio. De como sempre tentamos nos superar ao vivo.
Posso perguntar algumas coisas para Jimmy Page, a lenda? Como, por exemplo, o que você tocou em You Really Got Me, dos Kinks? A guitarra ou o tamborim?
Essa eu não respondo. A próxima, por favor.
Little Games, o último álbum dos Yardbirds, foi uma espécie de rito de passagem para o que seria o Led Zeppelin?
Não exatamente. Eu acho Little Games um disco legalzinho, mas estragado pelo produtor. Uma das faixas, Drinking Muddy Water, tem o Ian Stewart, pianista dos Rolling Stones. Ele era meu amigo na época, tocou com o Led Zeppelin em Rock & Roll e em Boogie With Stu.
Ian chegou, gravamos e o produtor disse: “Próximo!”. Nem deu chances para Stu fazer outra coisa. O produtor também nos obrigou a gravar Little Games, que acho horrível.
Você tocou num disco de Burt Bacharach, Hit Maker – Burt Bacharach Plays His Hits?
Sim, aquela guitarra é minha!
Por acaso, assistiu ao filme Austin Powers? É sobre um espião dos anos 60 que passa 30 anos congelado. Com aquele disco!
Verdade (risos)? Tocar com Bacharach foi uma das coisas mais memoráveis da minha vida. Há diversos tipos de músicos de estúdio. Os guitarristas e os bateristas são geralmente novinhos, o pessoal dos metais pertencem àquela turma de veteranos que adora jazz e os das cordas são de uma geração mais antiga – e esnobe -, que não gosta de nada.
O pessoal dos metais adora beber e falar de mulheres, o das cordas conversa sobre jardinagem e a turma da seção rítmica troca idéias sobre rock’n’roll. Mas tudo muda quando Bacharach entrava no estúdio. Conseguia unir todos os músicos. Ele dizia: “Senhores, é assim que eu quero a minha canção”. Sentava no piano, cantava – olha que a voz dele nem era tão poderosa – e acontecia algo maravilhoso. O pessoal das cordas tocava com um vigor nunca ouvido. Trabalhar com Burt Bacharach foi uma das maiores honras que eu tive como músico de estúdio.
Qual é a melhor performance do Zeppelin em disco?
Eu não sei. Fizemos vários discos, um diferente do outro. Acho Physical Graffiti um belo trabalho porque tivemos mais tempo para fazê-lo. Gosto também de Presence, mesmo não sendo um álbum tão popular – porém, é tão vivo! Prefiro falar qual o disco que menos aprecio do Led Zeppelin. É In Through The Outdoor.
Existe um boato de que você está preparando um vídeo com grandes performances do Zeppelin ao vivo. Para fazer companhia a BBC Sessions…
É possível, mas não tenho tempo para nada! Olhe para mim, estou dando entrevistas. Minha vida é shows, entrevistas, show, entrevistas, mais shows, mais entrevistas… Talvez no futuro eu arrume mais tempo para mim. Belo final para uma entrevista, não? Quem sabe essa fique como minha última frase….