Sobre Peninha, Barão Vermelho e humanismo
Uma homenagem ao talento do percussionista carioca, morto no dia 19 de setembro de complicações no sistema digestivo


Peninha (de óculos escuros): o percussionista adicionou o samba e o tempero latino ao Barão Vermelho
Em 1990, eu era foca (jornalista iniciante) do Notícias Populares quando recebi a ordem de acompanhar o Barão Vermelho num pedágio da Rádio Transamérica. A pauta era uma bobagem, mas eu precisava de um bom texto para mostrar por que ainda merecia estar naquele jornal. A missão era reunir o grupo para uma fotografia em frente ao cemitério da Consolação para uma matéria sobre uma suposta aparição de Cazuza. Chovia, fazia muito frio (que diga Marilda Vieira, chefe de imprensa da Warner e também presente naquele programa de índio) e nada deles se organizarem para tirar a foto. Foi então que me aproximei do percussionista Peninha e expliquei o meu dilema. Tinha trabalhado o dia inteiro, estava cansado e precisava apenas de uma imagem legal do quinteto para, enfim, ir para casa e escrever a matéria nas primeiras horas da manhã. “Peraí, irmãozinho, que vou resolver essa parada pra ti”, disse ele. Peninha disse para os outros quatro que eu precisava de uma foto porque tinha marcado de sair com a minha namorada. Eles, enfim, se reuniram, fiz umas duas perguntas para o guitarrista e vocalista Roberto Frejat e pude tocar a minha matéria com tranquilidade. Do outro lado da linha, Frejat escuta o meu relato e me premia com outras duas anedotas do percussionista, morto na última segunda-feira, aos 66 anos, de complicações no sistema digestivo. Numa delas, o Barão jantava em Cafelândia (interior de São Paulo) após uma apresentação quando foram interrompidos por um agroboy local. Ele havia sido tirado do palco pelo segurança e chamou alguns amigos para aplicar um corretivo no sujeito. “Vocês são amigos desse cara? Mas ele chama vocês também para pegar mulher ou só para dar porrada nos outros?”, inquiriu Peninha. Os valentões chegaram à conclusão de que não valia a pena se sacrificar pelo valentão e deixaram o Barão Vermelho – e por consequência seu segurança – em paz. Em outra ocasião, Peninha não foi tão diplomático. Frejat havia chego atrasado para uma gravação em Laranjeiras, no Rio, porque um ônibus estava atrapalhando o tráfego local. O percussionista, que então descansava a mão no gelo, foi o culpado direto pelo congestionamento. O tal ônibus fechou Peninha, que estava de bicicleta. Ele chamou o sujeito para briga e o apagou com um soco – daí o gelo, que estava sendo usado para atenuar as dores de uma pancada bem dada.
A relação de Peninha (cujo nome verdadeiro era Paulo Humberto Pizziali) com o Barão Vermelho data de 1983, quando o grupo carioca iniciou as gravações do seu segundo disco. Frejat conta que queria um percussionista para a faixa Manhã sem Sono e o arranjador da Som Livre, gravadora do grupo, sugeriu dois profissionais, ambos excelentes: um todo certinho e outro que, na definição do arranjador, era um “fio desencapado”. O baterista Guto Goffi, sabiamente, optou pelo maluco.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=P0HEOC8FmfM?feature=oembed&w=500&h=375%5D
Peninha gravou em vários discos do Barão Vermelho – entre eles o sucesso Bete Balanço – e foi aos poucos se integrando na banda até ser efetivado (juntamente com o guitarrista Fernando Magalhães e o baixista Dadi – depois substituído por Rodrigo Santos) no disco Na Calada da Noite, de 1990. Peninha, contudo, é muito mais do que aquele sujeito folclórico, de fazer entrevistas surreais com Bezerra da Silva (na SHOWBIZZ de 1998, quando eles recordaram de seus tempos na orquestra da Rede Globo) ou proporcionar um dos momentos mais hilários do Rock & Gol, da extinta MTV Brasil – para quem não se lembra, ele perdeu a dentadura e correu para salvá-la antes que alguém pisasse em tão precioso artefato. Era um músico formado na escola do samba e da música latina, tendo participado da Banda Black Rio e tocou ao lado de grandes nomes da MPB como Johnny Alf, Sivuca e João Donato. No Barão, sua percussão fazia um ótimo contraponto à bateria roqueira de Guto Goffi – uma combinação que rendeu momentos brilhantes como Pense e Dance e Beijos de Arame Farpado, minha canção predileta do quinteto carioca. “Peninha era o artista da arte de ser músico”, resume Frejat. Após o encerramento as atividades do Barão Vermelho, em março de 2013, Peninha passou a trabalhar com o produtor e tecladista Lincoln Olivetti (morto em janeiro de 2015) e tinha a Gungala, banda de salsa que tocava nas noites cariocas.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=-xfg-xUY1Qs?feature=oembed&w=500&h=375%5D
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=2Y7GgaHfGGQ?feature=oembed&w=500&h=375%5D
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=0TzAVgGeH3o?feature=oembed&w=500&h=375%5D
Soube do frágil estado de saúde do percussionista no domingo de manhã, através de um post do baixista Rodrigo Santos no Facebook, que avisou que Peninha estava mal de saúde e pediu que fãs e amigos rezassem por ele. Fui então atrás de Santos e de outros integrantes do Barão Vermelho para esclarecer melhor a história e, quem sabe, dar uma nota sobre os problemas do instrumentista. Numa conversa com Roberto Frejat, ele me disse que Peninha havia sido internado em agosto e passou três semanas no hospital. Retornou para casa e, poucos dias depois, baixou novamente no CTI do hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro. Durante a conversa, senti que havia uma preocupação de Frejat na divulgação da notícia. Optei que o ser humano falasse mais alto que o jornalista. Não que eu me considere acima de qualquer crítica ou questionamento. Mas creio que a cautela deva falar mais alto do que a ânsia de se dar um furo – seja com um músico de bastidores, como Peninha, seja um artista de sucesso ou até mesmo um desconhecido. Disse a Frejat que não iria publicar a matéria porque esse tipo de notícia poderia até complicar o estado de saúde do músico. Depois, num email dirigido ao baixista Rodrigo Santos, comentei que eles deveriam soltar um comunicado oficial falando sobre a situação do amigo e percussionista – porque, afinal, o fato estava sendo divulgado pelas redes sociais e outros jornalistas iriam também correr atrás da história. Não houve tempo para comunicado algum. Peninha morreu naquela tarde. Como herança, deixa alguns dos melhores shows do Barão Vermelho que assisti – e olha que os vi no Rock in Rio, de 1985, com Cazuza nos vocais – e histórias como a vivida por mim (fraquinha, mas importante para o momento em que eu vivia no jornal) e por Frejat e membros do Barão Vermelho. Vai em paz, Peninha.
Aqui, a conversa surreal entre Peninha e Bezerra da Silva
Flagrantes malocados na memóriaPENINHA: Qual é, Bezerra?BEZERRA: Peninha! Pó, mas ninguém me avisou que era você. Fala malandragem!PENINHA: Lembra daquele baile de Carnaval, Bezerra?BEZERRA: Como não? No final dos anos 70, a gente tocava junto como ritmistas na orquestra do maestro Canudo, o pai de Peninha e, também na orquestra da TV Globo. Uma vez, no Carnaval de Fortaleza, a gente tava tocando aquelas marchinhas de salão e esse cara começou a levar um rock na bateria. Eu, que continuava na marchinha, olhei pra trás e ele me disse: “Isso é que é pra frente.” Fodeu, pensei, e não deu outra. No meio da música, o pai dele largou pistom e partiu para cima do Peninha, que fugiu correndo. Como eu ria pra caralho, o Canudo acabou ficando puto comigo. Parou na minha frente e disse: “Tu também é um safado.” (risos)PENINHA: E aí, gostou da nossa versão de “Malandragem Dá Um Tempo”?
BEZERRA: Ficou a mesma coisa, o rock não é tão diferente, só tem uma outra divisão. PENINHA: Pode crer. E a música tá mais atual do que nunca com esse lance da legalização, da Dona Ruth e do apitaço. Todo mundo num clima liberou geral, menos esse bar (o Arataca de Copacabana, no Rio), onde você pode comprar cachaça, mas não pode beber. Pô, isso é o mesmo que apertar e não acender, né, não, Bezerra? (risos). BEZERRA: (Fazendo piada) Então bota um copo de leite aqui pro rapaz! PENINHA: Pô, Bezerra, não dá pra ficar de repórter, entendeu? Sabe como é, eu não fiz o curso… |