Por que ninguém se incomodou com atores gays protagonistas de ‘Pantanal’
E o que isso diz sobre o Brasil atual


Há algumas semanas, Jesuíta Barbosa apareceu numa movimentada praia do Rio de Janeiro aos beijos com seu namorado. O assunto não causou rebuliço nas redes sociais, nem houve campanhas difamatórias sobre o ator, que vive o protagonista Jove de Pantanal. Irandhir Santos, o peão José Lucas, não esconde de ninguém que é casado com o professor Roberto Efrem Filho. Na trama, seu personagem vive às voltas com Irma (Camila Morgado). Assim como Lucas Leto, que interpreta Marcelo e tem um romance com Guta (Julia Dalavia) – na vida real, ele namora o diretor Marcelo Bahia.
Leto já declarou que “nesse momento, meu maior sonho é incentivar outros jovens a descobrirem que são capazes de tudo, assim como o teatro fez comigo”. Irandhir elogiou o marido assim: “No Brasil de hoje, quando um professor é chamado de gênio, já é um motivo de celebração! Agora, quando esse gênio é teu boyzinho…”. Durante o Conversa com Bial, em 2019, Jesuíta afirmou “ser bem viado”.
É de se louvar que, diante de vários retrocessos na área do combate à lgbtfobia, a notícia de um homem beijar outro em local público já não cause estranheza do público brasileiro, sempre generalizado como conversador e homofóbico. Assim como talvez seja a primeira vez que uma novela das 9 tenha três atores declaradamente gays entre os protagonistas.
Por muito tempo, artistas permaneceram “dentro do armário”, com medo da rejeição do público e de perderem papéis de destaque na ficção. Outros tantos sofreram por simplesmente interpretarem papéis fora do padrão heteronormativo – tendo sua presença na TV dilacerada de acordo com o humor da audiência. Basta lembrar da novela A Próxima Vítima, de 1995, em que André Gonçalves e Lui Mendes viveram um casal gay. André chegou a ser agredido na rua por viver um homossexual. A novela Torre de Babel trouxe o casal Leila (Silvia Pfeifer) e Rafaela (Christiane Torloni), em 1998. Na época, as personagens morreram na trama porque o público rejeitou o envolvimento delas. Em América, de 2005, a cena do beijo entre os personagens Júnior (Bruno Gagliasso) e o peão Zeca (Erom Cordeiro) chegou a ser gravada, mas nunca foi ao ar, diante do receio da rejeição do público. Foi apenas em 2014, em Amor à Vida, que Mateus Solano e Thiago Fragoso protagonizaram o primeiro beijo gay em novelas da TV Globo.
E por que o beijo já não incomoda mais? O tema da diversidade sexual está mais aceito na ficção em geral – o streaming está repleto de obras que tratam disso com naturalidade, até mais do que as novelas da TV aberta. O ator de Pantanal, ao beijar em público quem ele bem quiser, demonstra o quanto a sociedade tem evoluído, apesar de tudo. Mas não custa reforçar que, por ser famoso, ele se resguarda (mesmo que parcialmente) de determinados ataques que possa vir a sofrer em público. Para muitos outros, a realidade ainda é outra.
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