Os sintomas da reclusão de Bolsonaro, segundo psicóloga
Sally Gomes analisa sinais do presidente como recusa da derrota, comparável ao que atletas sofrem
O presidente derrotado Jair Bolsonaro (PL) está afastado das redes sociais e de agenda pública desde que perdeu as eleições, no dia 30 de outubro, para Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas últimas semanas, não fez as tradicionais transmissões ao vivo de quintas-feiras no Facebook, que mantinha inclusive quando viajava ao exterior. Ao mesmo tempo, crescem os rumores sobre sua saúde mental. A psicóloga Sally Gomes, formada na Universidade Paris Sorbonne, mestre em Psicologia Social pela Universidade Paris 10, e em Sociologia e Filosofia Política pela Universidade Paris 7, falou com a coluna sobre as questões psicológicas desse sumiço.
“O isolamento e silenciamento do presidente mostram uma certa dificuldade de separar papéis sociais distintos: o de homem público com a sua vida privada. Não nos surpreende tanto pela recorrência de comportamentos impulsivos e reativos ao longo de sua carreira política, demonstrando instabilidade emocional. Ronda Rousey, uma lutadora de MMA feminino icônica, se achava invencível e, ao ser nocauteada por uma adversária, teve muitas dificuldades em aceitar o fato de que não era. A humildade faz com que derrotas sejam mais facilmente assimiláveis, ao passo que uma autopercepção exageradamente inflada pode tornar o sabor da derrota bem mais amargo”, explica a psicóloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Rio e membro-fundadora do projeto @garagem.psi.
“Quanto mais difícil for para alguém reconhecer que a derrota é um caminho possível para todos, inclusive para si, maior será a dificuldade de aceitá-la. A flexibilidade cognitiva aumenta a possibilidade de imaginar múltiplos cenários. Inversamente, se achar invencível mostra rigidez psíquica e uma ilusão a respeito da própria condição humana, pois estar num jogo significa necessariamente correr o risco de perder. Não reconhecer a vitória de um adversário revela instabilidade afetiva e baixa tolerância à frustração. Algumas pessoas lidam melhor com a derrota do que outras por aceitarem este fato: ninguém está imune a isso”, continua Sally.