Os segredos de Marco Nanini contados em curioso livro
Autora de ‘O avesso do Bordado’ fala à coluna sobre a obra
O capitão Severino de Aracaju, de O Auto da Compadecida; o doutor Teodoro Madureira, de Dona Flor e Seus Dois Maridos; ou mesmo o inesquecível Lineu, de A Grande Família. Isso só para citar papéis da televisão – fora outros tantos do teatro e cinema. Aos 74 anos, Marco Nanini ganha uma biografia escrita por Mariana Filgueiras, que narra sua trajetória artística e pessoal ao lado das mudanças sociopolíticas do país. A jornalista investigou a fundo sua trajetória, influências e principais trabalhos. Ao longo de quatro anos e após cem entrevistas, construiu uma biografia “honesta”, como ela caracteriza, de mais de 400 páginas, divididas em temas que circundam a vida do ator. O resultado é o livro O Avesso do Bordado, que será lançado nesta quarta-feira, 1º, no Rio de Janeiro.
O que motivou Marco Nanini a ter uma biografia? Quando ele fez 70 anos, ele estava com vontade de contar a vida dele, montar uma biografia. Ele procurou a editora, que me convidou para ser a biógrafa. A gente não se conhecia, começou a conversar e deu match total, foi um encontro muito rico. Como sou jornalista cultural, por muitos anos também já tinha vontade de fazer uma biografia de fôlego.
Qual a importância do Nanini para a cultura? Além de ser um dos maiores atores brasileiros, ele é o mais profícuo, fez diversas obras em diversas linguagens. Experimentou todos os gêneros das artes dramáticas, fez musical, teatro político. É testemunha ocular da história da dramaturgia brasileira. Participou, agitou cenas, fez um monte de abaixo-assinado para melhorias nas políticas públicas culturais. Mais do que isso, ele é ponte de saberes, traz atores clássicos como Milton Carneiro e Dercy Gonçalves, que foram suas referências. A primeira aula de teatro do Nanini quem deu foi Fernanda Montenegro, foi a primeira aula que ela deu também.
Ele interferiu na sua escrita? Não, ele me deixou completamente à vontade. Como é um ator que sempre recebeu papéis de diretores de TV, cinema e teatro, sempre teve liberdade para criar os personagens dele. Então ele também soube dar essa liberdade. Ele disse: “O livro é seu, você faz a pesquisa e encontra o tom”.
De que forma essa vontade de ter um livro tem a ver com o envelhecimento? Eu não chamaria de envelhecimento, mas de maturidade. Ele fez muitas coisas, todo ano viveu algum personagem, desde 1965. Fez inúmeras peças, novelas, filmes, séries, seriados, comerciais, gravou disco, fez musicais. Ele queria deixar essa estrada, esse saber acumulado registrado.
Por que escolheu uma foto dele vestido de noiva para a capa? A foto é um bastidor do espetáculo Pterodátilos, que ele representava a personagem Emma. Dirigido pelo Felipe Hirsch, muito sucesso em 2011. E essa personagem dele, vestida de noiva, é uma adolescente que tem problemas com o pai. Ele interpretava tanto a adolescente quanto o pai da adolescente. E é um personagem que ficou marcado na carreira dele, todo mundo que o viu no teatro não tinha dúvida de que estava diante de uma adolescente em crise. Imagina um senhor de 60 anos! É exatamente o que o título do livro quer dizer, o avesso do bordado.
Um episódio da vida amorosa de Nanini com Wolf Maya foi muito comentado nos últimos dias. Por que ainda se surpreendem por saber da vida sexual dos atores? Tem várias outras histórias de amor, mas cismaram com essa. Se lerem o livro, vão entender melhor. Foi uma história linda, verdadeira, mas se lerem vão descobrir muito mais.
Em algum momento da carreira ele levou o personagem para casa, se deixou confundir com a história em cena? Eu diria que o personagem acaba virando seu melhor amigo. As pessoas olham na rua e chamam ele de Lineu, ele entra no avião e cantam música da Grande Família. O personagem com que ele se confundiu foi o que fez na peça Mão na Luva, em que ele não fumava, mas o personagem precisava fumar. O diretor achou que as cenas iam ficar mais tensas, mais plásticas com aquela fumaça. Ele começou a fumar para o personagem e acabou fumando na vida real. Ele se tornou fumante por anos, só parou bem mais velho.
Qual o momento auge da carreira dele, na sua opinião? Sem dúvida o teatro é a casa dele. Os projetos de teatro enchem os olhos dele. Mas Nanini foi aprendendo ao longo dos anos. Quando estava perto de fazer 50 anos, em 1998, fez o primeiro monólogo na vida, Uma Noite na Lua, do João Falcão. Ele tinha acabado de fazer séries para televisão, como Brasil Especial, Comédia da Vida Privada. Muda muito a carreira dele, porque para de fazer mocinhos simpáticos e começa a fazer grandes personagens da literatura brasileira.