O que provocou a ruptura do povo com as escolas de samba
Historiador Luiz Antonio Simas lança, com Alberto Mussa, edição revisada de ‘Samba de enredo: história e arte’

Luiz Antonio Simas e Alberto Mussa resgatam personagens e momentos importantes na história do samba por meio de análises dos sambas mais marcantes das escolas desde 1870 até a atualidade. A nova edição de Samba de enredo: história e arte, revista e ampliada, traz posfácio inédito dos amigos escritores, referências do carnaval carioca, apaixonados pela cultura popular. Simas conversou com a coluna sobre os sambas mais importantes da história e o que aponta como destaques de 2023.
Política ainda rende bom samba-enredo? O samba é muito dinâmico e a história do Brasil também é, porque as escolas de samba não são desvinculadas do contexto em que desfilam. Elas repercutem em larga medida o que está acontecendo na história do Brasil. Uma história que foi marcada por uma crise muito grande, o impeachment em 2016, o governo Bolsonaro durante esses últimos tempos, o Rio de Janeiro impactado pela experiência de um prefeito que detestava carnaval (Marcelo Crivella)… Tudo repercute no samba-enredo.
Como a pesquisa de mais de mil sambas foi realizada? A gente sempre escutou muito samba-enredo e num certo momento resolveu transformar esse processo afetivo em pesquisa sistemática. Coletamos tudo que foi gravado em relação a registro de samba-enredo do Rio de Janeiro. Mais de 1.600 sambas!
Dá para apontar quais são os sambas mais importantes da história? Há os que podem ser material pedagógico, para que a gente conheça a história do Brasil. Por exemplo, em 1960 o Salgueiro desfilou com Quilombo dos Palmares. Quando Palmares nem era citado na maioria dos livros didáticos brasileiros. Quilombo dos Palmares chega à Avenida antes de chegar às escolas. Teve muita gente que teve o primeiro contato com a história de Zumbi através do samba do Salgueiro de 1960. Outro exemplo, em 1988, foi o centenário da Abolição da escravidão. Em 1988 a Mangueira faz 100 anos de liberdade, realidade ou ilusão?, que é uma profunda reflexão sobre a maneira como a abolição aconteceu.
Esse ano parte dos enredos traz o Nordeste à avenida. É uma coincidência depois da expressiva vitória de Lula na região? Não é exatamente uma temática nova. Nós vivemos períodos de muita intolerância e de preconceito. O Brasil, ao mesmo tempo que é um país de uma cultura muito bonita, é extremamente preconceituoso. E nós vimos preconceito contra o Nordeste sendo destilado pelas redes sociais no último processo eleitoral. Tem um imaginário como se o Nordeste fosse atrasado. Quando as escolas de samba trazem temáticas sobre a riqueza da cultura nordestina, isso é político também. Então não acho coincidência, é a escola de samba cumprindo o seu papel relevante, também político, de chamar atenção. Tem a ver com a maneira como o bolsonarismo tratou o Nordeste.
O ‘Explode Coração’ do Salgueiro, de 1993, ficou muito popular e ao mesmo tempo faz outras escolas buscarem samba semelhante. Como você vê isso? Todo mundo sente um pouco de pressão, porque existe consenso de que um ótimo samba-enredo leva uma escola a um grande desfile. Além de criar conexão com o público, o samba sustenta um ótimo desfile, essa trilha sonora é fundamental. A grande tarefa hoje no samba de enredo é a popularização, é sair da bolha do carnaval.
Por que os sambas-enredo já não fazem mais sucesso como antigamente? As próprias escolas de samba, em um certo momento, perderam conexão com as comunidades, sobretudo na década de 1990 e início dos anos 2000. As escolas começaram a fazer enredos patrocinados. Muitas marcas, empresas, cidades patrocinavam as escolas. Para ter uma ideia, teve escola de samba que desfilou com enredo sobre iogurte (Porto da Pedra, em 2012)! Beija-flor e Salgueiro desfilaram sobre companhia aérea (em 2002), Grande Rio sobre gás (em 2008). Uma outra coisa que gerou essa desconexão foi a elitização dos desfiles, com ingressos muito caros, dificuldades de acesso do povo, um espetáculo que priorizou o turista e esqueceu do carioca.
O que um samba tem que ter para ser considerado bom? O samba bom é aquele que facilita o canto do componente, não adianta fazer um samba muito complexo e dificultar a harmonia da escola (harmonia é a conexão entre a dança e o canto). Segundo, tem que ter uma letra que consiga explicar o espetáculo que está sendo apresentado. E precisa ter os seus momentos de explosão e momentos menos intensos.
Qual escola reuniu a maior quantidade de sambas bonitos? Se for escolher uma escola de samba de enredos, será a Império Serrano. Até porque a escola teve o maior compositor da história, Silas de Oliveira.
De 2023, quais sambas destaca como os melhores? A Mangueira tem um samba popular. Paraíso do Tuiuti, uma escola que vem com enredo muito bonito sobre a Ilha do Marajó, também fez boa escolha. Mas o samba de enredo é uma obra em progresso, em movimento, que só se completa na avenida. Nas redes sociais se falou muito que o samba do Salgueiro é ruim, mas se você escutar a escola cantando, se sustenta muito bem.
