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Michel Maffesoli: ‘A sociedade mudará de maneira total’

Sociólogo francês fala à coluna GENTE sobre as mudanças trazidas pela nova geração e defende que Brasil é o ‘laboratório da pós-modernidade’

Por Mafê Firpo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 jan 2025, 16h26 - Publicado em 28 dez 2024, 11h00

Em seu novo livro A Nostalgia do Sagrado (ed. PUCPRESS), o sociólogo francês e professor emérito da Sorbonne Michel Maffesoli, 80 anos, ensaia sobre o que chama de “retorno do sacral”, que seria a busca incessante por sentido de pertencimento com a volta do espiritualismo. Com uma geração guiada pela emoção e por uma sensibilidade espiritual, as comunidades cibernéticas se tornaram onipresentes e ainda mais fortalecidas. Em conversa com a coluna GENTE, Maffesoli comenta que essa formação de grupos faz parte de um retorno às tradições, marcado por abandono de interesse dos jovens pela política e a dependência de uns com os outros. 

Em seu livro, o senhor argumenta que há uma busca por novas formas de vivenciar a vida em sua plenitude. O que isso significa? Significa que estamos em uma era de mudanças, saindo do que chamamos de “modernidade”, que começou no século XVII e que acaba por volta do XX. Agora estamos entrando na pós-modernidade. Nessa primeira fase a mentalidade é do racionalismo, progressismo e individualismo. A principal questão é a volta do espiritualismo, o retorno à cultura, principalmente nas gerações mais novas. É o que vejo na França e na Europa como um todo, é um retorno à sensibilidade espiritual.

A pós-modernidade é ainda mais guiada pela emoção? Sim. Não sei qual termo vocês usam no Brasil, mas a palavra “emocional”, que também usamos na França, não é característica psicológica. Não significa simplesmente ser emocional. “Emocional” é um termo proposto por Max Weber na Alemanha para chamar a atenção para uma atmosfera geral. Ela significa que o que havia sido abandonado, as paixões, os afetos, os sentimentos, foram marginalizados, e restou apenas o racionalismo. Podemos ver agora como esses outros parâmetros, quer sejam afetos ou paixões, estão se desenvolvendo. 

Essa busca é manifestada por meio da arte, da música, do convívio social, entre outros? Não se trata de artistas oficiais, mas sim sobre aqueles que, por meio das redes sociais, blogs, fóruns de discussão, o que chamamos de cibercultura, espalham a cultura. As novas gerações, de certa forma, estão se tornando artistas. A frase que uso em francês, tentarei traduzir, é “fazer da sua vida uma obra de arte”. 

Como isso pode impactar diretamente os jovens? É uma geração onde o individualismo não prevalecerá, mas sim a comunidade. Há muito tempo, publiquei um livro primeiro no Brasil antes de aparecer na França, Le Temps des Tributs. Fiz isso de propósito para dizer tribo, comunidade. É isso que me parece estar em jogo agora. Eu particularmente apoio essas novas gerações, há mais esse desejo de estarem juntos. Isso é comunidade, isso é tribo. E aqui encontramos a velha ideia, no sentido etimológico, de religião, de estar ligado ao outro. É isso que leva a essa visão de viver em comunidade.

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E qual é o papel das redes sociais nisso? Nas redes sociais existe ideia de compartilhar, trocar, solidariedade e generosidade. Toda uma série de termos que remetem ao fato de que essas pequenas tribos, o que agora chamo de comunidades, se apoiam essencialmente não no individualismo, mas no aspecto comunitário, no fato de depender do outro.

Hoje existe a busca incessante pela sensação de pertencimento dentro das redes sociais. É possível que a sensação de pertencer nunca seja satisfatória? É difícil ser um profeta, mas percebo, na verdade, que há um lento processo de sedimentação, vejo isso no Brasil, na França, na Europa, na Coreia, na Itália… Há exemplos que mostram que a sociedade mudará de maneira total. O que vejo é uma mudança de uma tendência marxista que os intelectuais representam, e que têm cada vez menos influencia as novas gerações. Há, na verdade, uma série de pequenos grupos que ultrapassam o individualismo e entram em comunhão com valores religiosos. 

Como essa transformação se dá no Brasil? É um país que me fascina de várias maneiras. Meu ponto de vista não é o fim da pós-modernidade, parece-me que no Brasil essa pós-modernidade se manifesta com mais força. O Brasil é o laboratório da pós-modernidade, por esse lado da comunidade, das dimensões espirituais. Muitas vezes vou a esses encontros, seja em Salvador da Bahia, no Recife, ou mesmo em São Paulo, em Porto Alegre… Para mim, eles são indícios da mudança que está acontecendo.

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O que observa nestas viagens? O ideal de comunidade. Recebi muitos estudantes do Brasil em Paris. Havia dimensão comunitária, eles estavam juntos, comiam juntos, andavam juntos. É um pouco de tribalismo.

É o que evidencia o retorno das tradições? É o retorno da tradição, de coisas antigas, mas não exatamente as mesmas coisas como são hoje. É uma imagem de uma espiral. As coisas voltam, retornam, mas não são exatamente as mesmas. Esse retorno da tradição é feito com a ajuda da internet, de toda a cibercultura. Ele retoma elementos que vieram da Idade Média, de sociedades tradicionais, de antes dessa era do racionalismo, mas traz novamente essa ideia de um todo, incluindo o aspecto espiritual.

Qual o perigo de se juntar religiosidade com política? Os jovens estão cada vez menos preocupados com política. Eles não participam mais de partidos políticos, de sindicatos, da luta política. Por outro lado, desenvolveram dimensão muito mais tradicional. Há uma saturação, decadência do engajamento político entre os jovens, uma decadência que vai de mãos dadas com o desenvolvimento religioso. 

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Zygmunt Bauman argumentava que a sociedade estava se tornando líquida, sem laços profundos. O retorno das tradições mostra a volta de relacionamentos sólidos?  Conversei muito com Bauman,que me convidou para a Sorbonne e conheço bem sua tese sobre a sociedade líquida. Mas concordamos sobre a base, ou seja, quando ele vê uma sociedade líquida, de certa forma, é um pouco do que estava dizendo: retomando elementos que achávamos que tinham ficado para trás no progressismo e que, mais uma vez, retornaram. E a liquidez no livro de Bauman é algo interessante, porque é algo que não é fixo. Portanto, concordo com sua ideia de liquidez. 

Desde os anos 1980 o senhor fala de “tribo urbana”. Há diferença entre o que o senhor analisava para o que percebe hoje? Não há diferença real. Quando comecei a falar sobre tribos, foi uma provocação, para mostrar que, de certa forma, poderíamos ver o ideal de comunidade voltando. O exemplo que dei é que, nas selvas, a tribo lutava contra os animais. São as selvas de pedra, ou seja, é urbano. Na Europa, não temos megacidades, mas México, São Paulo, Detroit e Seul são selvas de pedra. E nessas selvas de pedra, a tribo tem a mesma função, ou seja, ajudar uns aos outros.

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