‘Gloria Perez vai esclarecer os homofóbicos desinformados’
Escalada para viver ela mesma na novela ‘A Força do Querer’, Jane Di Castro vai contracenar com Silvero Pereira, do coletivo As Travestidas

Atriz, cantora, cabelereira e transexual, a carioca Jane Di Castro será ela mesma em A Força do Querer, novela de Gloria Perez que substitui A Lei do Amor na faixa das 9 da Globo, a partir de abril. Aos 68 anos, cerca de 50 deles de carreira, é um reforço de peso para o núcleo trans da trama, que conta com o cearense Silvero Pereira, do coletivo teatral As Travestidas e do espetáculo BR-Trans, e com Carol Duarte como uma menina que se descobre menino e precisa enfrentar a família, o pai Eugênio (Dan Stulbach) e a mãe Joyce (Maria Fernanda Cândido), para fazer “a travessia”, como Gloria Perez já chamou o processo de se assumir. “A Gloria quer abrir a cabeça do ser humano para a transexualidade”, diz Jane.
“A Gloria é um luxo, uma autora preocupada com o compromisso social e não apenas com o Ibope”, continua a atriz. “E esse tema dá audiência – e muito. É o tema do momento. A transexualidade é top.” Apesar de ser um assunto muito falado hoje, a atriz acredita que precisa ser esclarecido. “As pessoas não sabem a diferença entre transexual e travesti. Eu mesma demorei para entender que não era travesti, mas transexual. Sou uma transexual não operada.”
A falta de compreensão leva à intolerância de “homofóbicos desinformados”, diz, embora garanta que é muito querida no Rio, em especial no bairro de Copacabana, onde mora atrás do Copacabana Palace. “As pessoas falam comigo na rua, me cumprimentam, me elogiam. A mãe da Narcisa me adorava.” O pior, avalia, já passou, mas ainda há um trabalho de conscientização a ser feito.
“A minha geração foi aquela que abriu caminho. Foi a primeira a se vestir de mulher na rua e enfrentar a polícia. A gente andava na rua e as pessoas me xingavam. Nos anos 1970, eu me transformei. Operei o nariz para dar um toque feminino, removi pelos, comecei a usar rabo de cavalo, comprei brincos de ouro. Quando eu percebi que as pessoas não achavam mais que eu era homem, foi a glória. Também para o meu marido, Otávio, com quem eu sou casada há 50 anos. Ele sofreu muito.”

Segundo Jane, é nos momentos de ofensa que renasce o homem que há dentro dela – seu nome de batismo é Luiz Di Castro. “Mas não chego a ser Madame Satã.”
Jane conta que se descobriu menina ainda na infância. Nunca gostou de roupa masculina, admirava as roupas da mãe e das irmãs e as experimentava escondida no banheiro. Mas só foi se assumir nos anos 1960, depois de peitar a mãe evangélica e o pai militar – o mais maleável dos dois, afirma. “Eu era muito infeliz como rapazinho, tinha muito complexo de sair na rua com pelos. Eu tinha uma mulher dentro de mim que estava presa e, quando ela despertou, não só melhorou a minha cabeça, como a minha vida profissional se transformou. Nos salões de beleza, de tão bonita que eu fiquei, modéstia à parte, as pessoas me queriam trabalhando.”
O nome artístico viria em partes. Em 1966, foi rebatizada de Jane pela equipe de produção do espetáculo Les Girls, no Teatro Dulcina. Em 1981, foi dirigida por Bibi Ferreira em Gay Fantasy, no Teatro Alasca, e recebeu um toque da diretora. “Você precisa de um sobrenome. Jane só tem uma famosa, e é a do Tarzã.”
Em seu maior trabalho na TV, depois de aparecer em dois capítulos de Explode Coração (1995-96), e cantar Cazuza em Salve Jorge (2012-13), no cabaré das traficadas, ambas produções de Gloria Perez, Jane Di Castro ainda não sabe ao certo o que fará. “A Gloria não fala nada. Só vou saber mais da minha participação quando ela mandar o capítulo, acredito que em março. Começo a gravar em abril.”
