Ex-seminarista revela rotina de padres gays, fala de assédio e de ameaças
Brendo Silva, autor de ‘A vida secreta dos padres gays’, é o convidado do programa semanal da coluna GENTE
Seminarista por sete anos, Brendo Silva, 33, hoje se diz agnóstico. O período em que passou na Igreja Católica lhe rendeu o livro A vida secreta dos padres gays (ed. Matrix), que vem causando acaloradas discussões sobre um dos maiores tabus religiosos, conforme o próprio título da obra já indica. Como consequência, Brendo, hoje pedagogo e com pós-graduação em sexologia e religiosidade, relata ameaças de morte, conforme noticiado pelo Radar, após divulgar os bastidores da intimidade de membros da Igreja no Brasil, ainda que sem revelar suas identidades. Em entrevista ao programa semanal da coluna GENTE (disponível no canal da VEJA no Youtube, no streaming VEJA+ e também na versão podcast no Spotify), o ex-seminarista detalha o dia em que cedeu ao convite de um bispo para ir ao motel; fala de um padre famoso que, internamente, é sabidamente gay; e do seminário da ordem agostiniana visitado pelo agora papa Leão XIV, no interior de São Paulo. “Não lembro de nenhum hétero lá”. Assista.
GAYS POR TODA PARTE. “Já no grupo de coroinhas notei que a maioria dos garotos era gays. Depois, quando fui para o vocacional, período antes de entrar no seminário, percebi novamente que a maioria era formada por gays. Quando entrei no seminário, com 14 anos, minha turma era formada por 12 seminaristas, 8 eram gays ou bissexuais. E a gente não entende muito, por ser adolescente, estar formando a personalidade, ser muito imaturo… Mas os anos foram se passando e por todo lugar que eu ia, morei em vários lugares, sempre a maioria dos padres e seminaristas era gay. Isso foi me chamando atenção: por que a Igreja é um atrativo para homens gays? O livro é uma tentativa de responder a essa pergunta, que muitas vezes é respondida no senso comum como busca de um refúgio. E descobri que não é só isso”.
NO MOTEL COM UM BISPO. “Já tinha largado o seminário, mas, até hoje mantenho contato com muitos padres, seminaristas e freiras. Foi quando um bispo me chamou no Facebook, achei esquisito que me pedisse o Whastapp, sem muita conversa. Trocamos Whatsapp, começamos a conversar e ele falou: ‘você não quer sair para almoçar?’. Falei: ‘quero’. Ele marcou num sábado, também morava em São Paulo, onde moro atualmente, e fomos a uma churrascaria. No final do encontro ele já foi enviesando a conversa para um lado mais sexual e me chamou para ir a um motel. Enfim, fomos”.
MINORIA HÉTERO. “Quase todo mundo ali é gay. Todo mundo tem um amor sincero e honesto pela Igreja. Todo mundo tem essa sensibilidade e esses dons. E você se encontra entre iguais. Os héteros que entrevistei para o meu livro falam que se sentiam deslocados e às vezes até excluídos por conta da maioria ser gay; e eles estarem fora dessa norma, dessa regra”.
ABANDONO DA IGREJA. “Estava morando na Europa. Ia ter uma boa formação, uma vida tranquila. Mas pedi para sair e nunca mais voltar, porque vivia com conflito interior por conta da minha identidade sexual. Tentei de toda a forma renegar a minha sexualidade, pedi para Deus tirar isso de mim. Tentei cura gay, fazer mortificação, jejum, sacrifício, tudo que você imaginar e isso não acabava. Comecei a entender que fazia parte de mim, que não tinha como aniquilar a minha natureza. E que a minha natureza de alguma forma, ou até de forma deturpada, iria falar mais alto. Então fiz esse exercício e de olhar para os meus companheiros e pensar: ‘não quero essa vida dupla para mim’. Não quero usar o ambão (móvel típico de igreja) para pregar alguma coisa e lá atrás, ou quando estou de férias na minha cidade, ou por aí pelo Brasil e pelo mundo, praticar algo diferente nas boates e saunas como meus colegas, seminaristas e padres, fazem até hoje”.
PAPA GAY. “Com certeza já tivemos papa gay. Tem estudos, de mais de um autor, que apontam papa Paulo XVI, até namorado ele tinha (estas especulações nunca foram comprovadas). Posso falar livremente, não tenho nenhum apego e nenhum medo de falar isso… Se a gente tem uma maioria de padres, seminaristas e bispos gays, é claro que já tivemos papa gay”.
PAPA LEÃO XIV. “Sobre o atual papa, conheci o seminário da ordem dele (agostiniana) aqui no Brasil, em Bragança Paulista (SP). Fiquei uma semana no seminário da ordem dele e agora começaram a espalhar várias fotos da visita dele aqui no Brasil algumas vezes, desse seminário que visitei, dos agostinianos. E lá não lembro de nenhum hétero na ordem dele. Pelo menos os que conheci, inclusive alguns se tornaram amigos depois que saí (do seminário), não lembro de nenhum hétero lá”.
AMEAÇAS. “De todas as ameaças que recebi, nenhum padre falou: ‘você está mentindo’. Eles só falam: ‘quem é você para falar sobre isso’, ‘não fale sobre isso’. Ninguém nega, mas me pedem para me calar. É uma realidade oculta e estigmatizada”.
PADRE FAMOSO GAY. “Os padres gays, por exemplo, estão nas fileiras dos melhores sacerdotes da Igreja. E com certeza, a gente tinha muitos cardeais gays no conclave (do atual papa). (…) Também não só conheço (padre carismático gay), como sei de coisas. Conheço e vi com meus próprios olhos, mas optei por não citar no livro por questão editorial, para evitar processos. Eu tenho fotos e prints, sem tarjas, como documentos para comprovar o que falo. Um desses padres que sei, participa de programas de Tv defendendo discursos moralistas, o que é ainda mais triste”.
Sobre o programa semanal da coluna GENTE. Quando: vai ao ar toda segunda-feira. Onde assistir: No canal da VEJA no Youtube, no streaming VEJA+ ou no canal VEJA GENTE no Spotify, na versão podcast.