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Em livro sobre passado nazista, autor aponta perigos da extrema-direita

André de Leones conversa com a coluna GENTE sobre sua obra recém-lançada, 'Meu Passado Nazista'

Por Mafê Firpo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 11 Maio 2025, 09h00

Goiano radicado em São Paulo, André de Leones decidiu resgatar a literatura de Machado de Assis para escrever Meu Passado Nazista (ed. Record), livro em que o narrador não é confiável. A obra conta a história de Leandro, professor que vive com traumas familiares: a perda do pai, o afastamento da mãe e a convivência com um avô nazista. Em entrevista à coluna GENTE, André fala da realidade violenta do Brasil que, de acordo com suas vivências, se trata de um país ultraconservador, fundamentalista e preconceituoso. O autor, vencedor do prêmio  Prêmio Sesc de Literatura em 2005 pelo romance Hoje Está um Dia Morto e pré-selecionado para o Prêmio Jabuti de 2019, reflete sobre como o discurso de ódio é representado tanto por Jair Bolsonaro, quanto por Donald Trump e Elon Musk.

Por que um narrador não confiável para essa história? Em literatura, os bons narradores em primeira pessoa nunca são confiáveis. A ideia é inquietar o leitor no que diz respeito aos ruídos entre o que narra o personagem e o que pode ou poderia ter acontecido. Na literatura brasileira, o maior exemplo disso é Dom Casmurro. Conhecemos aquela história apenas pela voz do suposto traído. Até onde podemos confiar nele? Essa ambiguidade faz bem a qualquer obra literária, pois obriga o leitor a imaginar e interpretar. Nos dias de hoje, em que as pessoas leem pouco e leem mal, a literalidade arruína qualquer pacto imaginativo que possa existir entre autor e leitor

O que podemos aprender com o personagem principal? Todos os defeitos e o caráter dúbio que ele apresenta, é que a imaginação criadora pode nos ajudar a sobreviver. Não se trata de uma válvula de escape, mas de um esforço de distanciamento que me parece imprescindível para compreender e trabalhar certos traumas, pessoais ou coletivos. Ele se distancia, imagina e reimagina, e depois pode voltar e se reconciliar consigo mesmo e com os outros sem se queimar.

O que há de sua vida pessoal ali? Não escrevo autoficção, mas, no processo de escrita, é inevitável que as minhas vivências “calcem” as narrativas que crio. Assim, o que há de autobiográfico em Meu passado nazista são os ambientes, os lugares por onde passei, e algumas poucas ocorrências que tratei de ficcionalizar. Um exemplo: o sujeito que “brinca” fazendo a saudação nazista. Isso é algo que testemunhei. E me lembrei disso quando da ascensão da extrema-direita. Alguns amigos paulistanos estavam horrorizados, sem saber de onde aquilo vinha. Eu disse a eles que sempre convivi com os discursos e atitudes que se tornaram comuns e ensurdecedores no âmbito do bolsonarismo. Desgraçadamente, aquilo não era nada de novo para mim. O Brasil no qual cresci sempre foi ultraconservador, fundamentalista, preconceituoso e violento. 

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Quem mais representa o discurso de ódio no cenário político? Creio que o bolsonarismo talvez seja o exemplo mais visível, muito embora haja outros , surgidos ou não à sombra daquele, mas com características próprias. Pela sua própria natureza, esses discursos apontam para a obliteração do outro. Eles não só apontam como buscam legitimar a obliteração do outro. Em um país que sempre conviveu com violências de todo tipo, a existência e o crescimento desses discursos nos colocam em um ambiente de conflagração constante. As discordâncias políticas se tornam diferenças irreconciliáveis. E, para aqueles que vivem nas periferias, por exemplo, o recrudescimento do ódio significa a morte, simbólica ou literal.

A extrema-direita ainda apresenta esses discursos?  Não só ela. Com a escalada do conflito entre palestinos e israelenses, vi muitas pessoas à esquerda, autoproclamadas progressistas, vociferando um antissemitismo disfarçado de antissionismo. Mal disfarçado, frise-se. Entre a extrema-direita, basta assistir à TV Câmara para ouvir uma infinidade de absurdos. Homofobia, transfobia, racismo, machismo, truculência: é possível testemunhar tudo isso no decorrer de qualquer sessão plenária ou das malfadadas comissões.

O avô nazista apresenta uma visão de mundo retrógrada. Como isso ainda é presente no mundo atual? O extremismo representado pelo avô do protagonista não só continua presente como tem crescido, e de maneira nada velada. Não custa lembrar que o partido Alternativa para a Alemanha, de extrema-direita e com um fortíssimo bodum nazista, tornou-se um dos maiores do país. E Trump voltou com tudo à presidência dos Estados Unidos. Em seu primeiro mandato, ele disse que havia “boas pessoas” entre os supremacistas que marcharam em Charlottesville. No segundo, imagino que marchará com eles.

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Logo que Trump entrou para a Casa Branca, Elon Musk teria feito uma saudação nazista, algo que depois ele negou. O que isso representa nessa visão de mundo? Ele não só representa o que há de pior como adquiriu uma plataforma (o X) para que extremistas de todo tipo possam se “expressar”. Musk também participa ativamente do desmonte da máquina estatal norte-americana, aparelhando a estrutura do país com seus “minions”. São cupins. Não acho que o “experimento democrático” dos EUA sobreviverá a isso, até pela debilidade da oposição. E não faço ideia do que virá a seguir.

O livro se passa desde 1990 até 2020. O que mudou de lá pra cá?  Creio que as mudanças foram negativas. Eu nasci em 1980, de tal forma que vivi intensamente os anos noventa. Talvez fosse a minha cabeça adolescente, mas havia a impressão de que, não obstante eventuais percalços, o Brasil estava no caminho de se tornar um lugar relativamente civilizado. Meus pais assinavam a VEJA e eu lia longas entrevistas de Fernando Henrique Cardoso, na qual ele citava bateladas de autores. Havia uma discussão de ideias, mesmo de projetos. Mas como ficou patente desde a última década, a Nova República foi um voo de galinha. Não sei como chamar isso que vivenciamos hoje.

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