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Como a tecnologia já impacta mudanças no cérebro, segundo neurocientista

Professor e pesquisador da UFRJ, membro da Academia Brasileira de Ciências, Roberto Lent fala à coluna GENTE sobre o livro ‘Existo, logo penso’

Por Nara Boechat 26 out 2024, 09h00

Em 1969, o então estudante de medicina Roberto Lent, hoje com 76 anos, foi preso pela ditadura militar. Ao longo dos dois meses em que ficou na Ilha das Flores, na Baía de Guanabara, a única coisa que podia fazer era ouvir o rádio de pilha do sentinela, que tocava o hit da época País Tropical, com Wilson Simonal (1938-200). De tanto escutar, a letra ficou na memória e, mais de 50 anos depois, a canção hoje traz emoções negativas. Esta é uma das histórias contadas pelo neurocientista no livro Existo, logo penso – Histórias de um cérebro inquieto, da editora do ICH (Instituto Ciência Hoje). 

Professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro da Academia Brasileira de Ciências e fundador do ICH, Lent conta à coluna GENTE como surgiu a ideia da obra que, em crônicas, explica a ciência através de histórias da sua vida pessoal, facilitando a compreensão dos “fenômenos do cérebro” ao longo da vida, incluindo a morte. 

Qual foi a ideia por trás do livro? Me preocupo com a divulgação científica de neurociência há décadas. Os fenômenos do cérebro só são compreendidos quando você consegue fazer uma ponte entre o que as pessoas vivem no cotidiano e as descobertas da neurociência. Por isso, me propus a conectar as crônicas que já tinha escrito com uma história de vida, e a que conheço melhor é a minha própria. 

O livro se intitula “histórias de um cérebro inquieto”. É o seu? Sim. Procuro transmitir essa inquietude para as crônicas. Por exemplo, um dos fatos que relato foi uma experiência minha. Sempre quis ser cientista, mas tinha uma preocupação, que era da minha geração, de me abrir politicamente. A gente vivia em uma ditadura quando estava começando a universidade. Comecei a ser um militante, fui do diretório acadêmico e, em certo momento, preso. Fiquei dois meses preso no quartel de fuzileiros navais na Ilha das Flores, na Baía de Guanabara. Essa foi uma experiência de vida que me trouxe uma série de vocações sobre aspectos da memória. A relação entre a emoção e a memória. 

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Qual a lembrança mais marcante daquele momento? Na época, uma sentinela tinha um rádio de pilha, daqueles pequenos, mas que ouvia alto. E eu ouvia de dentro da cela ele escutando Wilson Simonal cantando País Tropical. É uma música super alegre, para cima, mas quando ouço me dá tristeza, porque a associei a uma situação angustiante. 

O senhor trata da morte no fim do livro. Como foi escrever sobre isso? É um mistério. A morte a gente não sabe o que é, alguma coisa acaba e que a gente não sabe o que vem depois. Os próprios cientistas não sabem definir bem a morte. E isso tem implicações éticas, grandes e jurídicas, como o caso da eutanásia. Eu, pessoalmente, sou um grande adepto deste tipo de morte. 

Tem religião? Não. Eu acredito que a morte é o fim e acaba.

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O que o levou a ser neurocientista? Sempre fui muito curioso pelo cérebro. Meu pai era cientista, trabalhava no Instituto Oswaldo Cruz. Uma vez por mês, matava aula com autorização dele para ficar no laboratório. Na época, ele estudava os insetos causadores da Doença de Chagas, e eu ficava vidrado em olhar no microscópio. Aos poucos, fui gostando da ciência e depois fui fazer medicina. 

O que o senhor leva da sua vida para o livro? Quando morei nos Estados Unidos, durante três anos, a minha filha teve o diagnóstico de atraso no desenvolvimento. Fiquei deprimido na época. Eu já estudava neuroplasticidade, e aí meu supervisor disse para eu largar o projeto atual e estudar a malformação congênita da minha filha. Hoje ela tem 45 anos e ainda faço essa linha de pesquisa. Essa é uma situação particular, achei interessante revelar. Primeiro porque superei emocionalmente. Isabel é a pessoa mais feliz da minha família, mesmo com todas as dificuldades. E segundo porque isso me permitiu me conectar com as pessoas que têm essa condição, dá uma dimensão de que isso está na vida das pessoas. A ciência está na vida de todos. 

Como a tecnologia vai impactar em mudanças no cérebro das futuras gerações? Já impacta. Muitos trabalhos mostram que um dos maiores impactos das mídias digitais sobre as crianças e sobre os adultos é o desvio do foco da atenção. Por exemplo, estou aqui no meu notebook conversando com você e se tem uma notificação no meu celular, desfoco a atenção em você para ver se chegou mensagem. Por educação, não vou interromper nossa conversa para ver, mas tem gente que faz isso. Além disso, o celular tem o fenômeno chamado “scroll infinito”, um conceito de que você tem compulsão de correr [o toque na tela para baixo] e não completa a leitura. Isso acontece no livro também, mas é mais difícil porque não pode fazer um scroll como no celular. 

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