Angela Davis fala de direto ao aborto e de Marielle Franco: ‘conspiração’
Professora e filósofa norte-americana se reuniu com alguns jornalistas, entre eles a da coluna GENTE
Professora emérita da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e filósofa norte-americana, Angela Davis, 80 anos, é reconhecida pelo ativismo dos direitos humanos e do movimento negro. Recentemente esteve no Rio para participar do Festival Led – Luz na Educação, promovido pela TV Globo. Antes disso, conversou com alguns jornalistas em um happy hour ao qual a coluna GENTE esteve presente. Angela discutiu desde o caso Marielle Franco, políticas contra o aborto e suas viagens à Bahia.
A senhora conhece nomes da literatura nacional? Sim, como Carolina Maria de Jesus, por exemplo, e seu diário de memórias (o livro Quarto de despejo). Também já estive com Lélia González, nos anos 1960. Mas não acho que sei o suficiente. Não seria certo visitar o Brasil sem tentar se conectar com a literatura e a cultura daqui. Principalmente porque sou dos Estados Unidos e muitas pessoas de lá pensam que ninguém, exceto as dos Estados Unidos, tem respostas para qualquer coisa. Meu posicionamento sempre foi de que nós, que vivemos nos Estados Unidos, temos obrigação de procurar o que está acontecendo nas outras partes do mundo para aprender. E fico muito feliz que mais gente tenha acesso a essas autoras.
Essa é a sua segunda vez no Rio, mas já visitou diversas vezes a Bahia. O que mais gosta de lá? A praia, a música, a arte e das áreas fora de Salvador. Já estive em Cachoeira. Duas vezes fui para uma pequena ilha, Boipeba. Amei e gostaria muito de visitar novamente.
E sobre o Rio, o que mais gosta? Não conheço muito. Dessa vez decidi vir um pouco antes e falei: ‘vou ser turista’, mas fiquei gripada.
A senhora costuma se pronunciar sobre a morte de Marielle Franco. Acompanhou a prisão dos assassinos dela? Sim. Temos que entender que somente punindo quem a matou não vai trazer justiça. Temos que tentar realizar os sonhos de Marielle. É claro que houve uma conspiração para assassiná-la, eles não gostavam do que ela estava fazendo, no sentido de se livrar da polícia militarizada e desafiar a violência racial da polícia. São essas coisas que teremos que fazer para conquistar a justiça para ela. Penso na Marielle o tempo todo, no fato de que deveria continuar seu trabalho. Tenho um porta-retratos dela em casa. Comprei em uma lojinha em Santa Teresa.
E quais são os seus sonhos? Eu abracei os sonhos de Marielle. Acredito que ela também falaria que queria ver o fim do capitalismo. Penso que às vezes, só porque não conseguimos ver um futuro possível agora, não nomeamos as coisas que queremos. Mas se não nomeamos, vamos esquecer o que queremos. Quero o fim do capitalismo. E vou continuar falando isso.
Uma discussão em voga no Brasil é o direito do aborto, com a PL 1904, que o equipara ao crime de homicídio. Como tem lidado com o tema em seu país? Temos que ser sempre vigilantes. Não podemos assumir que, só porque vencemos alguma, isso está gravado em pedra. Muitos de nós éramos contra a forma que a luta pelo direito do aborto estava sendo feita, porque não abordava a justiça reprodutiva. Agora a narrativa avançou para marcar a questão da escolha individual que toda mulher deveria ter. Isso se aplica largamente às mulheres de classe média. A decisão da Suprema Corte (dos Estados Unidos) estava baseada em questões privadas da mulher com seu médico. Mas que mulheres têm médico? Agora estamos em posição melhor. Para entender a luta em um terreno maior, reconhecer que tem relação com o racismo, com a justiça econômica, a justiça educacional…