‘Amendoins e bananas’: como Brasil alavancou carreira de Mourinho
Em entrevista antiga, 'Special One' revelou sua tática de frequentar estádios brasileiros para procurar atletas bons e muito baratos
Qual fã de futebol nunca aproveitou algumas horas de ócio (nem sempre criativo) para assistir a jogos, lances e entrevistas no YouTube? Neste caso, vídeos de José Mourinho são sempre uma boa pedida, seja pela sua forma rabugenta (e divertida) de lidar com a imprensa ou por suas qualidades inegáveis para formar equipes vencedoras. Mas Mourinho nem sempre foi o “Special One”. Nas profundezas da internet – como era mesmo a vida sem ela? – encontram-se algumas histórias dos tempos em que o português lutava para se livrar da pecha de “o tradutor” – no Barcelona, foi auxiliar e também intérprete do técnico inglês Bobby Robson. Antes de se tornar o técnico mais badalado do mundo, Mourinho sofreu. E recorreu bastante ao Brasil, país com o qual estreitou cada vez mais os laços.
Em uma longa entrevista concedida à BBC em 2006, Mourinho deixou escapar uma declaração inusitada ao relembrar o período em que trabalhou no modesto União de Leiria, no segundo semestre de 2001. Ele vinha de uma decepção no Benfica e queria fazer sucesso imediato para chamar novamente a atenção de clubes grandes. “Aí fui ao Brasil para encontrar jogadores por amendoins e bananas, sem dinheiro”, brincou Mourinho em papo com o ex-jogador Gary Lineker (confira no vídeo abaixo, a partir de 1m50s). Então um completo anônimo, Mourinho foi ao Maracanã assistir a um Flamengo e Volta Redonda e se encantou pelo atacante Maciel, do time da “Cidade do Aço”. Por uns trocados, conseguiu levar o jogador a Portugal.
Fez o mesmo com o atacante Jaques, que atuava no Sport Recife – talvez tenha nascido aí a paixão de Mourinho por Pernambuco, onde ele e sua família costumam passar férias. No Leiria, já estavam outros jogadores brasileiros, como o zagueiro Éder Gaúcho (ex-Grêmio) e o atacante Derlei (vindo do Madureira). Os planos de Mourinho deram muito certo: ainda no meio da temporada, com seu surpreendente Leiria em terceiro na liga, recebeu o convite do Porto. No gigante do país, ele se consagraria em 2004 com o título da Liga dos Campeões – na companhia de Derlei e Maciel e também de Carlos Alberto, outro talento comprado por um valor baixo, junto ao Fluminense, e de que quem o técnico diz até hoje ser um admirador.
Em 2006, já famosíssimo no Chelsea, Mourinho veio a São Paulo assistir a Corinthians x River Plate, pela Libertadores, no Pacaembu. Queria ver de perto o badalado Carlitos Tevez ou um atleta promissor “a preço de banana”. Acabou passando apuros. Como contou o defensor argentino Javier Mascherano em sua biografia Jefe (2015), Mourinho teve de se “refugiar” no vestiário corintiano enquanto a torcida brigava com a polícia depois da eliminação. Ao longo de sua trajetória, Mourinho trabalhou com diversos atletas brasileiros, dos mais caros aos “Derleis” da vida. E, ao mesmo tempo que é divertido imaginar o treinador “à paisana” numa arquibancada brasileira, é também triste perceber o quanto o futebol sul-americano é suscetível a este tipo de situação. Para um europeu, de fato, é possível montar um bom time – e enfraquecer outros em um continente distante – com apenas “peanuts and bananas“.