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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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“Você teve 60 milhões de votos?”

Sem interlocutores que lhe dizem ‘não’, presidente Lula confia mais no seu feeling e centraliza decisões

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 27 mar 2023, 12h45

“Você teve 60 milhões de votos? Porque quando você tiver 60 milhões de votos você se senta nessa cadeira e faz do jeito que você quiser”.

A frase que provoca um abismo de autoridade entre o presidente Lula da Silva e seu interlocutor foi repetida por dezenas de vezes a assessores e ministros desde a vitória nas eleições de outubro. O tom variava entre a pilheria e a bravata, mas quase sempre ocorreu em situações na qual o presidente era contrariado.

Depois de ouvirem a provocação, alguns assessores deixaram de tentar corrigir ou debater uma ordem presidencial. Outros descobriram que ganham mais espaço se bajularem o presidente.

Esse Lula imperial em relação aos assessores é uma das grandes diferenças entre o governo atual e os dois mandatos anteriores. Sem interlocutores que lhe dizem ‘não’, Lula confia mais no seu feeling e centraliza as decisões.

Diagnosticado com uma pneumonia, o presidente manteve a agenda de trabalho de sexta-feira, recusando a recomendação médica de repouso. Ele piorou no dia seguinte e foi obrigado a cancelar a viagem para China, a principal visita internacional do ano todo. Vários ministros haviam pedido antes ao presidente que diminuísse o ritmo de viagens pelo Brasil para estar descansado para as trinta horas de voo até a China. Ele os ignorou.

O episódio envolvendo o ex-juiz Sergio Moro é típico. Ao chamar de ‘armação de Moro’ a operação da Polícia Federal que investigava um possível sequestro do ex-juiz, Lula desacreditou o Ministério da Justiça, alimentou as redes sociais bolsonaristas e argumentou com o fígado. Rejeitado por dez entre dez políticos de Brasília, Moro caminhava para um papel obscuro no Senado. Com Lula o tratando como um adversário do mesmo padrão, Moro passou a ser um líder da oposição. É a mesma tática de Dilma Rousseff contra Eduardo Cunha, que só fez aumentar o poder do deputado.

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Lula já havia feito o mesmo com Roberto Campos Neto, presidente do BC. Campos Neto começou a relação em desvantagem por terem descoberto que ele participava de um grupo de WhatsApp junto com ministro de Bolsonaro, comportamento inaceitável para o presidente de um Banco Central independente. O tom agressivo das declarações de Lula, no entanto, transformou Campos Neto no lado sereno do debate. O presidente comprometeu o esforço da equipe econômica em encontrar pontos de convergência com o mercado financeiro por não modular suas declarações.

O 8 de janeiro foi a grande oportunidade perdida de Lula em acuar o bolsonarismo. Ao invés de trazer para si os políticos que votaram no ex-presidente, mas que não são golpistas, Lula igualou a todos. Ao invés de transformar a intentona de 8 de janeiro numa ameaça à democracia do País, Lula personalizou o episódio como se fosse apenas um ataque a ele. Isso afastou os bolsonaristas moderados.

No governo, esse lulocentrismo se reflete na repetição dos mesmos projetos dos governos do PT. Muitos fazem sentido _ como o Mais Médicos, o Bolsa Família ou o ProUni _, mas alguns são apenas reprises malfeitas. O novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) é um amontoado de promessas de conclusão de obras paradas, sem um plano de que tipo de infraestrutura o governo quer deixar como legado.

No Congresso, Lula deixou correr solta a disputa entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco pelo controle das Medidas Provisórias. Só na semana passada – com os dois trocando ataques públicos – é que o presidente entendeu a gravidade da disputa.

Esse lulocentrismo têm um custo. Ao fulanizar a questão dos juros em Campos Neto, Lula ganhou a desconfiança por princípio de qualquer compromisso fiscal do governo. Projetos como o da nova Regra Fiscal terão dificuldades em serem aceitos pela Faria Lima não pelo que preconizam, mas pelos discursos de Lula. Economistas liberais que apoiaram o PT no segundo turno – como Armínio Fraga, Pérsio Arida e Henrique Meirelles – dificilmente repetirão a dose.

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No caso de Moro, a consequência é reviver a indústria de guerrilha digital bolsonarista que estava amuada com o escândalo das joias árabes. Lula está viajando para China com as redes sociais inundadas de fake news sobre a ligação do PT com facções criminosas, enquanto Jair Bolsonaro pode voltar ao Brasil como um herói exilado.

Lula decide cada vez mais sozinho. O núcleo duro do governo tem os ministros Rui Costa, 60 anos, Fernando Haddad, com a mesma idade e Alexandre Padilha, 51, a deputada Gleisi Hoffmann, 57, o senador Jaques Wagner, de 71, e Janja Lula da Silva, com 57. Haddad e Padilha tem se esmerado em tentar atenuar as repercussões das falas de Lula, enquanto Hoffmann tem usado as declarações para engajar a militância petista.

Deste núcleo duro, apenas Jaques Wagner é da mesma geração de Lula e dos fundadores do PT. Os demais – como o próprio Lula disse uma vez – entraram no PT quando ele já havia perdido duas eleições presidenciais. Wagner intencionalmente quer distância do dia a dia do governo. Nos primeiros governos, pelo contrário, Lula estava acompanhado de outros fundadores do PT (José Dirceu, Luiz Gushiken, Luiz Dulci, Gilberto Carvalho, Olívio Dutra, com o adendo do então jovem Antonio Palocci), que o conheciam muito antes de ele virar um mito.

Governantes erram e Lula cometeu centenas de erros nos seus dois primeiros mandatos. Ameaçou expulsar um jornalista americano que havia escrito uma reportagem errada, deixou correr um projeto de cooptação de parlamentares em troca de votos e quase trocou o presidente do Banco Central às vésperas da maior crise financeira desde 1930. Em todas as ocasiões, confrontado com o erro, Lula soube recuar e se corrigir. A hora da correção de rumo chegou de novo.

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