Dezembro é o tempo das listas. A minha é dos livros que explicam 2022 e ajudam a pensar 2023. É uma lista idiossincrática e sem ordem de mérito, na qual preferi obras recentes em português e que vou lançar até o Natal porque vai que você não tenha um presente legal?!
A repórter Juliana Dal Piva faz de “O Negócio do Jair” (editora Zahar) uma saga familiar em torno do dinheiro, poder e segredo. O livro reúne as descobertas que Piva e outros repórteres fizeram nos últimos anos sobre o crescimento do patrimônio dos Bolsonaros simultâneo à escandalosa negligência dos procuradores da República. Como toda reportagem em andamento, o livro tem um defeito, o de terminar abruptamente. Piva, no entanto, corrige isso com diligência com suas reportagens pós-livro no UOL, como a que enumerou os 51 imóveis comprados com dinheiro vivo pela família nas últimas décadas.
“PT, Uma história” (Companhia das Letras) é o melhor livro já escrito sobre a trajetória de um partido político brasileiro. Celso Rocha de Barros faz um ensaio brilhante sobre a colcha de retalhos ideológica que fez surgir o PT. criado como uma legenda de massas a partir do movimento operário sem vinculação com a URSS e como se deu seu choque de realpolitik a partir de 2003. autor é didático ao mostrar as dificuldades e tropeços do PT p/ tornar bandeiras em políticas públicas. Livraço.
“A Extrema Direita Hoje” (eduerj , 2022) é um fabuloso exercício de síntese do cietitsa político holandês Cas Mudde sobre a quarta onda do radicalismo destro. Neste livro de referência, Mudde mostra como a extrema direita atualizou o seu discurso no século 21 usando o com o nativismo, o combate ao crime, a corrupção das elites, o liberalismo moral e a religião para se transformar em um força política global.
Thomás Zicman de Barros e Miguel Lagos partem de um provocação em “Do que falamos quando falamos de populismo” (Companhia das Letras): tanto Bolsonaro quanto Lula podem ser qualificados como populistas, mas como definir suas diferenças? Os autores desmontam as falsas simetrias com um texto didático e erudito. “no pânico moral bolsonarista, o adversário político é alguém que deve ser destruído. Para Bolsonaro, o conflito tem como objetivo o fim do conflito através da aniquilação do outro. Ele fala em nome do “povo”, mas o entende de modo exclusivista. Bolsonaro mobiliza emoções como ressentimento, ódio e cólera, que alimentam a hostilidade contra tudo o que é diferente e acirram as ameaças contra a democracia liberal”, escrevem.
A Democracia Equilibrista (Companhia das Letras) é um livro original sobre o conflito existencial entre políticas e servidores de Estado e políticas e servidores de governos, entre patrimonialismo e corporativismo, entre meritocracia e elitismo. Esse conflito interno no Estado seria enfadonho não fosse a capacidade dos autores em mostrar com exemplos práticos _ a aprovação do Marco Civil da Internet, a política de drogas e o Estatuto dos Povos Indígenas _ como o serviço publico qualificado é imprescindível para a democracia, mas que esta mesma democracia só será sólida se as mediações entre Estado e sociedade forem feitas por políticos e não por burocratas.
Dois livros essenciais sobre a força política dos evangélicos: “Povo de Deus” (Geração Editorial), do antropólogo Juliano Spyer é essencial para tirar o leitor (especialmente o de esquerda) da zona de conforto. “O fenômeno do cristianismo evangélico no Brasil se torna uma espécie de charada. Seu crescimento vem acompanhando o avanço da desigualdade no país. Igrejas se multiplicam onde outras formas de serviço assistencial não estão disponíveis. O alcance de “vitórias” que não são necessariamente traduzidas em melhora socioeconômica–mas podem ser–é o que sustenta a presença cada vez maior deles em todos os âmbitos da sociedade”
Em “A religião distrai os pobres?” (Almedina), Victor Araújo avança na aparente contradição entre economia e valores na decisão do voto evangélico. O fortalecimento da identidade religiosa, mostra o autor, coloca a esquerda em um dilema. A distribuição de renda não é a prioridade na teologia da prosperidade. “Em democracias, costuma-se assumir que os eleitores respondem positivamente nas urnas às políticas de aumento do bem-estar social, punindo candidatos quando sua qualidade de vida é reduzida. Quando a lógica (do eleitor) muda, contudo, não faz sentido esperar o mesmo resultado”, ensina o autor.