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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)

Os limites de Mourão

No mundo imaginário de Mourão, Bolsonaro é inocente. O inferno são os outros

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 14 Maio 2020, 16h38

O artigo do vice-presidente Hamilton Mourão publicado nesta quinta-feira, 14, no jornal O Estado de S. Paulo vale pela construção de um mundo paralelo. Como numa versão tropical do País dos Espelhos, Mourão descreve uma conspiração de ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores, jornalistas e oposicionistas para acirrar a polarização política que “está levando o País ao caos”. Nem uma palavra sobre a responsabilidade de Jair Bolsonaro em promover e ampliar este mesmo caos.

No mundo de Mourão, a imprensa “precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos”,abrindo mais espaço para as opiniões do governo. A opinião do vice lembra a de outro general, Costa e Silva, que em 1967 travou o seguinte diálogo com a dona do Jornal do Brasil, condessa Pereira Carneiro, no qual ela pedia uma concessão de TV. Presidente com poderes ditatoriais, Costa e Silva reclamou da linha editorial do JB. A condessa respondeu que buscava publicar “críticas construtivas. Construtivas, presidente”. “Minha cara condessa, para falar a verdade eu não gosto de críticas, nem construtivas. Eu gosto mesmo é de elogio”, encerrou o presidente general. O JB nunca recebeu a concessão.

Como segundo e terceiro pontos, Mourão ataca as decisões do Supremo que deram aos governos estaduais e municipais o poder de decidir sobre quarentenas. Essa autonomia está na Constituição. Mourão poderia pedir à Casa Civil que proponha ao Congresso uma emenda para mudar a Constituição. Seria mais eficaz.

Mourão ataca os governadores “que esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação”. Vamos por hipótese imaginar que essas decisões sobre o coronavírus fossem exclusivas do Planalto. O que aconteceria? Estados e Municípios estariam funcionando normalmente, com o coronavírus se espalhando com muito mais velocidade, para formar uma “imunização coletiva”. Países que inicialmente tentaram essa tática _Itália, Reino Unido, Suécia_ fracassaram e recuaram depois de seus hospitais entrarem em colapso. Se fôssemos pela tática da “gripezinha”, ao invés de 11 mil mortos, estaríamos pranteando dezenas de milhares.

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O vice se queixa ainda da imagem brasileiro no Exterior, diretamente relacionada à ameaça ambiental. De acordo com o general, essa imagem teria formada a partir das entrevistas de “personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018”, e não do incentivo do governo às queimadas e desmatamento, com o sucateamento do Ibama e intervenção no Inpe. Se o vice quiser melhorar a imagem ambiental do Brasil poderia começar demitindo o ministro do meio ambiente.

Em um sofisma, o vice-presidente acusa os decretos de quarenta pela queda nas exportações, “sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte”. Como se o Brasil estivesse em Marte e não no planeta Terra, onde mais de 30 milhões de americanos perderam seus empregos e a Europa trabalha com a projeção de queda de 9% no PIB. Parafraseando um autor comunista censurado no Brasil no Regime Militar, Jean-Paul Sartre, para Mourão, “o inferno são os outros”.

O texto de Mourão tem duas finalidades, uma interna, outra externa. Para dentro do governo e das Forças Armadas, Mourão presta continência a Bolsonaro, defendendo a indefensável postura presidencial na condução da crise do coronavírus.

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Desde antes da posse, o vice sofre com desconfianças de que teria sonhos de ocupar o gabinete do terceiro andar do Palácio do Planalto. Sua postura de independência desagrada Bolsonaro, mas também acirra sentimentos no Exército, onde o respeito à hierarquia é tão importante quanto oxigênio.

Para fora, Mourão mostra os cacoetes de um antidemocrata. Com verniz ilustrado, ele cita os Federalistas, a série de artigos base da Constituição dos Estados Unidos, enquanto faz ameaças típicas de um Fujimori, o peruano que no século 20 governou um Estado tão ditatorial quanto corrupto. Mourão alerta o Supremo, o Congresso, os governadores, a mídia de que “há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas”. Está implícito que se as instituições seguirem exercendo seus papeis, o “desastre” será irreversível. Ao referendar os erros do chefe, Morão espanta qualquer possibilidade de se supor que ele como presidente seria diferente de Bolsonaro.

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