Os dez dias que abalaram o mundo de Lula
A demissão de Lupi sem um plano para ressarcir os aposentados não estanca a crise na previdência

A demissão de Carlos Lupi do Ministério da Previdência depois de dez longos dias da divulgação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União de uma fraude que desviou dinheiro de mais de 4 milhões de aposentados revela uma perigosa falta de sintonia do governo Lula com a realidade.
Dono do PDT, Lupi é parceiro eleitoral de Lula há décadas. Ao ser demitido, ele indicou como novo ministro o ex-deputado Wolney Queiroz, que era o secretário-executivo do ministério. A indicação do número 2 do ministério não irá estancar a crise.
Por dias, o presidente Lula da Silva considerou que um partido pequeno como o PDT era mais importante do que responder aos milhões de lesados, achou que poderia resolver o escândalo sem mexer no ministro Lupi e mostrou mais uma vez a sua dificuldade em tomar decisões rápidas. A demissão de Lupi no final da sexta-feira (2) veio tarde e incompleta: o governo ainda não apresentou um plano de como ressarcir os aposentados e pensionistas lesados.
Ao titubear sobre a saída de Lupi, o presidente protegeu um ministro suspeito de um dos mais graves escândalos dos últimos anos. Este é um caso de corrupção mais tóxico do que os usuais, pois as vítimas são pessoas pobres, com nome e endereço, algumas delas deficientes e analfabetas, não o etéreo caixa do governo atacado por políticos e empresários. O potencial de estrago desse escândalo é suficiente para acabar com a recuperação do governo nas pesquisas.
A conexão entre vítimas e corruptos é direta. É chocante o contraste entre as histórias de pessoas que recebiam R$ 1.412 mensais e eram tungadas em R$ 79, com imagens de Ferraris, Porsches e até de um Rolls Royce comprados por espertalhões com dinheiro roubado. É um roteiro pronto para vídeos destruidores em campanha eleitoral.
Outra característica do caso é que empresários tiveram a ajuda de gente do governo para roubar pobres. Um dos envolvidos na fraude é o procurador do INSS Virgilio Antônio Ribeiro de Oliveira, colocado no cargo por Lupi. Segundo a polícia, ele recebeu cerca de R$ 11 milhões do esquema. Virgílio e o empresário Danilo Bernt Trento tinham até a ajuda de um policial federal, Philipe Roters, para circular pelo aeroporto de Congonhas em viaturas oficiais. Roters foi pego com US$ 200 mil em dinheiro vivo.
O maior dos operadores do esquema, Antônio Carlos Camilo Antunes, o ‘Careca do INSS’, movimentou R$ 53 milhões. Em Brasília ninguém movimenta tanto dinheiro assim sem deixar parte do lucro com outros envolvidos.
O extenso material da investigação tem conteúdo para dias de cobertura jornalística. A CGU descobriu que, além da facilidade em obter licença do INSS, as entidades conseguiam cadastrar até 1.500 pessoas por hora em suas bases e ter acesso aos seus salários.
A colunista de O Globo Malu Gaspar mostrou que entidades que buscavam o caminho para entrar no esquema foram instruídas a procurar um advogado indicado por Marcelo Panella, chefe de gabinete do ministro Lupi, e contratar uma consultoria indicada por ele. Todo mundo em Brasília sabe que Lupi e Panella são gêmeos siameses. Assessor do ministro há anos, Panella causou a queda do chefe do Ministério do Trabalho em 2011, ao ser acusado de cobrar propina de ONGs que mantinham convênios com o governo.
A oposição conseguiu assinaturas necessárias para abrir uma CPI e Lula está nas mãos do presidente Hugo Motta para adiar a investigação. Motta pode segurar, mas não necessariamente tem força para impedir a instalação se a CPI se tornar mista, incluindo deputados e senadores.
Quando a PF e a CGU apresentaram as suas investigações no dia 23, o discurso oficial era que a fraude havia começado no governo Bolsonaro e desmantelada no atual governo. Só que essa verdade se perdeu, primeiro, com os esforços de Lupi em defender a diretoria suspeita de corrupção que ele nomeou para o INSS e, depois, pela operação do Palácio do Planalto de proteção ao ministro.
Por que Lula demorou tanto? Porque a fragilidade do governo no Congresso é tamanha que até perder o apoio dos 17 deputados do PDT seria um desastre. Mas os 17 deputados valem chafurdar a imagem do governo num roubo de velhinhas e velhinhas? É óbvio que não, e o presidente Lula nos dois primeiros mandatos nunca teria dúvidas sobre a urgência na substituição. O Lula 3, no entanto, decide lentamente. Assim como demorou meses para tirar o deputado Juscelino Filho do Ministério das Comunicações, Lula tenta abafar cada crise adiando a sua opinião, até o momento em que a falta de decisão seja a posição oficial do governo.
Em novembro, por exemplo, depois da derrota da esquerda nas eleições municipais, vários assessores levaram ao presidente a necessidade de uma reforma ministerial para recompor a base no Congresso. Passados seis meses, Lula só mexeu com ministros do PT e a reforma perdeu sentido.
O caso de Lupi sugere que essa lentidão é o novo normal de Lula. É óbvio que a cautela é uma qualidade preciosa em tempos de líderes peripatéticos como Donald Trump, mas é um risco quando indica desconexão com as obrigações do cargo.