Existe a guerra aberta entre Lula e Bolsonaro e a guerra não declarada de Lula com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Os dois não se conhecem, mas agem como adversários. Na terça-feira, Lula levou os senadores do PT para almoçar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, exibindo em público qual a Casa terá a preferência no seu eventual governo. A disputa de um eventual Lula presidente com um eventual Lira chefiando a Câmara dos Deputados será um terceiro turno das eleições. Se houver confronto, a disputa Dilma Rousseff – Eduardo Cunha vai parecer brincadeira.
No dia seguinte, Lira aprovou uma armadilha para o presidente eleito em outubro. O projeto que reajustou o Auxílio Emergencial só vai até 31 de dezembro e é politicamente impossível para o presidente, seja ele quem for, em não pedir a prorrogação do benefício. Só que para isso, ele vai precisar negociar com Lira uma nova votação em dezembro. Aprovar a continuidade do Auxílio Brasil de R$ 600 vai explodir o Teto de Gastos, e também para isso o presidente vai precisar da autorização da Câmara, e consequentemente de Lira. Um eventual governo Lula começaria devendo um favor para Lira, que tenta se reeleger em fevereiro.
Como confidenciou um líder do Centrão à repórter Andréia Sadi, “Lira, quando alguém o tem como adversário, é um cara muito trabalhador”. O mesmo interlocutor lembrou que os interesses de Lira e de Bolsonaro não são iguais. Lira quer é eleger uma grande bancada que lhe dê mais um mandato como presidente da Câmara. Se for com Bolsonaro, melhor. Mas se for com Lula, tudo bem. “O barco pode estar afundando, mas a gente sabe nadar”.
Na clássica definição de Sergio Abranches, o Executivo se sustenta num presidencialismo de coalização, pelo qual o presidente mesmo eleito por 60 milhões de votos não tem maioria no Congresso. Para obter essa maioria, ele coopta os partidos com cargos públicos e liberação de emendas, com uma eficiência notável como mostraram os estudos de Argelina Figueiredo e Fernando Limongi.
Esse sistema funcionou até o segundo governo Dilma Rousseff, quando o Congresso primeiro limitou o reenvio de medidas provisórias e depois tornou obrigatórios os pagamentos das emendas individuais. O impeachment de Dilma em 2016 e as duas oportunidades que o Congresso teve para afastar Michel Temer em 2017 fortaleceram ainda mais o Legislativo, tornando o presidente num refém.
Com Bolsonaro, o Congresso fez o que quis. Em 2019, o Congresso tornou obrigatório o pagamento das emendas das bancadas estaduais. Depois, derrubou os vetos presidenciais e criou as famosas emendas do “orçamento secreto”, batizadas assim por terem baixa transparência e nenhuma proporcionalidade no formato de distribuição. Na prática, o orçamento secreto redesenhou o papel do Executivo quanto ao uso e distribuição das verbas públicas nos redutos eleitorais dos deputados. Mas o Centrão obteve de Bolsonaro um decreto estabelecendo que qualquer decisão do Ministério da Economia sobre créditos especiais, créditos extraordinários, remanejamento ou transferência de dotação orçamentária passasse a ser “condicionada à manifestação prévia favorável do ministro de Estado chefe da Casa Civil da Presidência da República”. Condicionada, isto é, ao apoio do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, o mesmo de Arthur Lira.
Lula e Lira são profissionais e não teriam problema em trabalhar juntos. A questão é que o poder decorre da distribuição das emendas do Orçamento Secreto (R$ 16,5 bilhões em 2022). E Lula sabe que sem controlar essas emendas perde o principal meio para obter apoio no Congresso. A disputa, portanto, não é pessoal. É de instituições.