Virou um bordão o axioma de que a eleição presidencial passa por Minas Gerais. Segundo estado mais populoso, com disparidades de renda, religião e escolaridades similares às do Brasil, Minas virou o “estado pêndulo”, aquele cuja vitória decide a eleição presidencial. Há um fator novo, no entanto, que amplia a importância de Minas para as eleições de outubro, o governador Romeu Zema.
As pesquisas Datafolha, IPEC e Quaest divulgadas na semana passada são unânimes em mostrar que Zema venceria hoje as eleições para governador no primeiro turno e que seu governo tem uma aprovação da metade dos mineiros, índice raríssimo em qualquer outro Estado. Pelas pesquisas, Zema tem entre 40% e 47% nas simulações de primeiro turno, enquanto o candidato apoiado por Lula, o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, tem entre 22% e 24% e o candidato de Bolsonaro, o senador Carlos Viana, entre 4% e 6%. Esse trinômio explica a importância de Zema.
Eleito no tsunami bolsonarista contra-tudo-contra-todos de 2018, Zema derrotou um governador e um ex-governador sem ter nenhuma experiência política. Único êxito do Partido Novo, ele iniciou a gestão dividido entre as normas de um mundo ideal da sua legenda e a vida real, mas logo decidiu pelo pragmatismo.
Diante da maior tragédia humanitária da história recente, as 272 mortes causadas pela Vale em Brumadinho, Zema foi solidário com as vítimas e fechou um acordo de indenização de 37,7 bilhões de reais com a mineradora. Com o dinheiro, ele resolveu o crônico problema de pagamento dos servidores públicos e recuperou a capacidade de investimento do Estado.
Acionista da rede de eletrodomésticos Zema, o governador mostrou um faro político imperceptível em empresários. Quando o então governador João Doria bateu de frente com Bolsonaro pelas vacinas contra Covid-19, Zema ficou quieto. Depois, fez críticas pontuais (“só chegamos nessa situação porque falta uma coordenação central desde o início da pandemia” e que Bolsonaro “contribuiu para confundir a população”), mas não alto o suficiente para romper com os eleitores do presidente. Ao contrário dos seus colegas do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul que rapidamente viraram alvos do bolsonarismo, Zema manteve uma distância regulamentar.
Quando Lula da Silva fechou em maio o acordo para apoiar o adversário Alexandre Kalil, dava-se de barato em Brasília que Zema voltaria ao leito bolsonarista. Ele foi estratégico. Zema compreendeu que seus eleitores se dividiam entre Bolsonaro e Lula e que, ao contrário de outros Estados, tomar uma posição a favor de um iria fazê-lo perder votos. Em posição de força, ele não aceitou as indicações de Bolsonaro e do PSDB para a sua chapa. Ao contrário de outros candidatos a governador, Zema entra na disputa com uma candidatura acima das de Bolsonaro e Lula e não coadjuvante das campanhas presidenciais.
Este diferencial aumenta o poder de Zema nas eleições de outubro. Corre no comitê bolsonaristas em Brasília o pensamento positivo de que em um segundo turno, Zema estaria obrigado a deixar a neutralidade e apoiar o presidente contra Lula. Só que isso só poderia ser verdade se Zema também tivesse que disputar um segundo turno. Se vencer no primeiro turno, qual o motivo para o governador se indispor com um ou outro? Zero. Mesmo num segundo turno contra Kalil, não está claro hoje o que Zema ganha dispensando o voto dos lulistas. Essas alianças transpartidárias são comuns em Minas, onde eleitores de PSDB e PT se juntaram em 2006 e 2010 nos fenômenos “lulécio” e “anastadilma”.
Por isso, acompanhar a evolução dos indicadores de Zema na eleição para Minas implica em antecipar a política pós-2023. Se Lula vencer, a direita terá de se reorganizar. Poderá fazê-lo dependendo do humor da família Bolsonaro, como os republicanos fazem hoje com Donald Trump, ou pode caminhar para uma política dentro dos padrões com um candidato como Zema. Milionário, com longa experiência como empresário e agora como governador de Minas, Zema é liberal na economia, conservador nos costumes, sem o autoritarismo latente de Bolsonaro nem o fanatismo de seus seguidores. Zema pode reunir em torno de si a direita e o centro moderado para 2026.