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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)

O peso da idade

Livro revela como a Casa Branca escondeu sinais de senilidade de Joe Biden para insistir numa candidatura fracassada

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 Maio 2025, 10h57 - Publicado em 19 Maio 2025, 08h39

Sai nesta terça-feira, 20, o mais devastador livro sobre os bastidores da eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos, “Original Sin: President Biden’s Decline, Its Cover-Up, and His Disastrous Choice to Run Again”, dos jornalistas Jake Tapper, da CNN, e Alex Thompson, do site Axios. O livro afirma que assessores da Casa Branca esconderam as reais condições físicas e cognitivas de Biden e incentivaram sua tentativa de reeleição, mesmo sabendo que ele não tinha a capacidade necessária para um segundo mandato. 

No domingo, a assessoria de Biden informou que o ex-presidente foi diagnosticado com câncer de próstata com metástase nos ossos. Em uma escala de 1 a 10, o câncer que atinge o ex-presidente está no estágio 9.

O livro acusa Biden, hoje com 82 anos, de ser o principal responsável pelo retorno de Donald Trump à Casa Branca por ter renunciado à candidatura quando faltavam apenas 107 dias para a eleição.
 
Em entrevista ao livro, o marqueteiro de Barack Obama e depois de Kamala Harris, David Plouffe, é direto: “Ele nos fodeu totalmente”. Plouffe conta ter sido rechaçado pela direção do partido Democrata meses antes da troca de candidatura, quando disse que Biden não tinha condições de suportar uma nova campanha eleitoral. 
 
Segundo ‘Original Sin’, no dia seguinte à vitória de Trump, Biden repetia ter certeza de que somente ele teria sido capaz de vencer Trump, culpando Obama, a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi e as elites do partido Democrata, do empresariado e da mídia pela sua substituição. Segundo os autores do livro, Biden citava pesquisas imaginárias para comprovar sua afirmação.
 
O livro é cruel. Relata vários episódios em que Biden esqueceu conclusões de frases, nomes de pessoas e fez raciocínios desconexos. O episódio mais conhecido foi durante um jantar de arrecadação de fundos organizado pelo ator George Clooney, dias antes do histórico debate de 27 de junho de 2024, quando Biden foi massacrado por Trump. Clooney e Biden se conheciam e se frequentavam desde 2006, quando participaram juntos de projetos humanitários no Sudão. 
 
No jantar, em Los Angeles, um Biden claudicante cumprimentava as centenas de convidados que pagaram dezenas ou centenas de milhares de dólares para ir ao jantar. O encontro do presidente com Clooney é reproduzido assim: 
 
“Obrigado por estar aqui”, repetia Biden a cada aperto de mão com um convidado.  
 
“Você conhece George”, disse um assessor no ouvido do presidente, lembrando-o gentilmente de quem estava à sua frente. 
 
“Sim, sim”, disse o presidente. “Obrigado por estar aqui.”
 
“Oi, senhor presidente”, disse Clooney.
 
“Como você está?” respondeu o presidente.
 
“Como foi sua viagem?” Clooney perguntou.
 
“Foi tudo bem”, disse o presidente.
 
Parecia evidente que o presidente não havia reconhecido Clooney.
 
“Ele não parecia estar lá”, disse o ator. Depois do debate com Trump, Clooney escreveu um doloroso artigo no The New York Times afirmando que o então presidente não tinha condições de manter a candidatura. “O Joe Biden que vi naquele dia (do debate) não era o mesmo das eleições 2020. Não vamos vencer com ele em novembro”, escreveu. 

O texto de Clooney foi a faísca de um movimento de grandes doadores democratas que obrigou Biden a abrir espaço para Harris. 
 
De acordo com os autores do livro, os sinais de senilidade de Biden no debate de 2024 já vinham ocorrendo desde o fim de 2022, mas amigos e apoiadores preferiram minimizar os episódios e escondê-los do grande público. Seus discursos começaram a ficar incoerentes e difíceis de ouvir. Quando Biden se mostrou incapaz de fazer um discurso em vídeo de dois minutos sem tropeçar nas palavras, os assessores o filmaram com duas câmeras para que a montagem na edição ficasse menos óbvia.
 
De acordo com os autores, a deterioração física de Biden tornou-se tão grave que seus assessores discutiram que ele precisaria usar uma cadeira de rodas caso chegasse a um segundo mandato. 
 
Amigo do casal Biden, o antigo responsável pelos discursos de Obama, Jon Favreu, conta que em novembro de 2022, ele, sua mulher, Emily, o filho e os sogros visitaram a Casa Branca. Favreau lembra que Biden encantou a todos, contando histórias com o seu “comportamento tagarela de político irlandês”. O presidente convidou todos para o Salão Oval, e para o sogro de Favreu, um juiz federal, fez um relato detalhado das audiências de confirmação fracassadas para o indicado à Suprema Corte. 
 
Em abril de 2024, os dois se reencontraram e Biden “parecia ter envelhecido cinquenta anos em dezesseis meses. Sua fala estava incoerente. Suas histórias eram sinuosas e confusas. Ele contou uma história duas vezes”.
 
Quando perguntado sobre as condições de Biden, Obama reclamava da agenda exagerada e nunca confrontou o antigo vice-presidente com a possibilidade de não se candidatar.  Temeroso de parecer paternalista com o antigo companheiro, o máximo que Obama se permitiu foi ter pedido em 2023 que Biden diminuísse o ritmo da atividade e “certifique-se que vai vencer a eleição”. 
 
Apenas depois do debate de junho de 2024, o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, confrontou o presidente e apelou ao seu desejo de preservar seu legado. Ele alertou Biden que, se ele permanecesse na corrida e perdesse para Trump, 50 anos de “trabalho incrível e bonito serão jogados pela janela. Mas é pior do que isso – você entrará para a história americana como uma das figuras mais sombrias”. Ao sair, relata o livro, Biden colocou as mãos nos ombros de Schumer e disse: “Você tem as maiores bolas do que qualquer pessoa que eu já conheci”.
          
Como escreveram Tapper e Thompson:
 
“O problema real não era sua idade, por si só. Foram as claras limitações de suas capacidades, que pioraram ao longo do seu mandato. O que o público assistiu de Biden era preocupante. O que estava acontecendo em privado era pior. Embora Biden no dia a dia certamente pudesse tomar decisões, mostrar sabedoria e agir como presidente, havia várias questões significativas que complicaram o exercício do cargo, como um limite de quantas horas por dia em que ele poderia funcionar de forma confiável e um número crescente de momentos em que ele parecia congelar, perder a linha de pensamento, esquecer os nomes dos principais assessores, ou momentaneamente não se lembrar de amigos que conhecia há décadas. Sem mencionar as deficiências em sua capacidade de comunicação – aquelas não relacionadas à sua gagueira ao longo da vida.
 
Não era uma linha reta de declínio; ele teve dias bons e ruins. Mas, até o último dia de sua presidência, Biden e as pessoas mais próximas a ele se recusaram a admitir a realidade de que sua energia, habilidades cognitivas e capacidade de comunicação haviam vacilado consideravelmente. Pior ainda, por vários meios, eles tentaram escondê-lo. E então veio o debate de 27 de junho contra Trump, quando o declínio de Biden foi exposto ao mundo. Como resultado, os democratas tropeçaram no outono de 2024 com uma candidata não testado e uma crescente desconfiança pública em relação a uma Casa Branca que estava enganando o povo americano”.
 
Prevendo a onda negativa do novo livro, Joe Biden contratou o spin-doctor Chris Meaghere, deu entrevistas  para a rádio BBC e a tv ABC criticando a política externa de Trump e se ofereceu para participar de atividades dos Democratas para a campanha legislativa do ano que vem.
 
Os dois autores também contrataram uma gerente de crises, a controversa Risa Heller, para combater a versão corrente nas redações norte-americanas de que eles, exatamente como os assessores de Biden, esconderam informações sobre o estado cognitivo do então presidente para guardá-las para a publicação do livro.

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É tentador, mas equivocado comparar a situação de Joe Biden com a de Lula da Silva. De fato, as semelhanças são muitas. Ambos são políticos veteranos: Biden nasceu em novembro de 1942 e Lula em outubro de 1945. Ambos foram eleitos comandando uma frente ampla para derrotar a extrema-direita. E uma vez no poder, ambos abandonaram a coalização e passaram a governar com um grupo restrito de ‘yes men’. Ambos mostram teimosia e impaciência com as discordâncias e não abrem espaço para um eventual sucessor. Ambos parecem confiar demais nos seus instintos e numa experiência pregressa desatualizada para tempos de redes sociais. 
 
O vigor dos dois políticos, contudo, é incomparável. Biden exibia fragilidade desde a campanha de 2020 e temia tanto um debate, que evitou entrevistas ao longo de todo o mandato. Lula faz exercícios diários e, pode-se discordar das suas ideias, mas não há dúvidas que ele sabe o que está falando. 
 
Isso não significa que Lula está imune aos questionamentos sobre a sua idade. Lula terá 85 anos no fim de 2030, quando pretende encerrar seu quarto mandato presidencial. É natural uma queda nas capacidades depois dos 80 anos e que este se torne um dos principais temas da próxima campanha.

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