Jair Bolsonaro tem medo de ser preso. Desde 16 de maio, o presidente repete publicamente o pavor sobre a possibilidade de responder à Justiça pelos atos cometidos no cargo. Na primeira vez, a um grupo de empresários do setor de alimentos, ele afirmou: “Mais da metade do meu tempo eu me viro contra processos. Até já falam que eu vou ser preso… Por Deus que está no céu, eu nunca vou ser preso”. Na última vez, na quinta-feira (04/09), ele falou num discurso a um grupo de pastores evangélicos, em São Paulo. “Por vezes me pergunto: ‘Quem sou eu para chegar onde cheguei?’. Isso não é da boca para fora. O pessoal sabe, quando anda comigo, quantas vezes eu falo: ‘É muito mais fácil estar do outro lado, mas muito mais fácil, e não estar sendo ameaçado de cadeia quando deixar o governo'”.
O trauma de Bolsonaro é a prisão da ex-presidente da Bolívia, Jeanine Áñez, condenada a 10 anos de cadeia em junho por ter planejado o golpe de Estado que derrubou Evo Morales, em 2019. “A turma dela perdeu, voltou a turma do Evo Morales. Agora foi confirmado dez anos de cadeia para ela. Qual a acusação? Atos antidemocráticos. Alguém faz alguma correlação com Alexandre de Moraes e os inquéritos por atos antidemocráticos? Ou seja, é uma ameaça para mim quando deixar o governo?”, disse Bolsonaro, quando soube da condenação.
Importa menos neste momento saber se o ministro do STF Alexandre Moraes tem provas suficientes para condenar Bolsonaro caso ele seja apeado do poder e mais como o medo influencia o comportamento do presidente. Como dizia o velho campeão de xadrez Emmanuel Lasker, “a ameaça é pior do que a execução”.
Por medo, Bolsonaro na semana passada decidiu indicar como ministro do Superior Tribunal de Justiça um juiz por chantagem do ministro do STF Kássio Nunes Marques, o mais bolsonarista dos magistrados do STF. Nunes Marques vetou o nome de um desafeto, que por acaso era o favorito do ministro Gilmar Mendes. Pressionado, Bolsonaro cedeu. Mais inteligente que Bolsonaro e os ministros do STF, o Senado decidiu adiar a votação da indicação para depois da eleição. Se Bolsonaro perder, os nomes sequer serão votados.
O nervosismo de Bolsonaro se acentuou com a articulação empresarial em torno da Carta pela Democracia, ideia iniciada por professores da faculdade de Direito da USP e que ganhou apoio de ícones do sistema como a Febraban e a Fiesp. No ano passado, Bolsonaro havia conseguido que as entidades recusassem na mais tímida defesa pelo respeito às instituições. Dessa vez, foi ignorado. Num gesto de trégua, a Fiesp pretendia pedir que Bolsonaro assinasse a Carta, o que daria ao manifesto um efeito simbólico de estar acima das divergências. A reação do presidente foi chamar os mais de 800 mil signatários da Carta de “sem caráter”. Quantos votos ganhou com a grosseria? Nenhum.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, não autorizou que o desfile militar de Sete de Setembro seja transferido da avenida Presidente Vargas para a Praia de Copacabana, como anunciou Bolsonaro. Há décadas o desfile ocorre no centro da cidade e o presidente perdeu o palco para juntar militares, militantes e milicianos na mesma moldura do Forte de Copacabana.
Na sexta-feira (05/09), Bolsonaro cedeu à exigência da TV Globo e decidiu que irá à entrevista no Jornal Nacional nos estúdios da emissora, no Rio. Inicialmente, Bolsonaro queria dar a entrevista no Palácio Alvorada, como ocorreu com Dilma Rousseff, em 2014, mas a Globo informou que a experiência mostrava um tratamento não-isonômico entre os candidatos. Bolsonaro bateu o pé, esperando um recuo da Globo. A TV anunciou que faria a série de entrevistados com todos os candidatos sem Bolsonaro e o presidente recuou. Tratando-se de Globo, a quem Bolsonaro dedica parte substancial do seu ódio, a concessão tem gosto de derrota.
O presidente perdeu controle até mesmo de ex-auxiliares, como a ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves. O presidente havia vetado o lançamento da candidatura da ex-ministra a senadora pelo Distrito Federal em função de um acordo com o ex-governador José Roberto Arruda. Pelo trato, a vaga seria da mulher de Arruda, a também ex-ministra do governo Bolsonaro Flávia Arruda. Pastora Evangélica, Damares terá apoio da mulher do presidente, Michelle Bolsonaro. Isso nunca ocorreria com um presidente em posição de força.
Em Minas Gerais, o governador favorito à reeleição, Romeu Zema, recusou o apoio de Bolsonaro. Ele tinha a alterativa de poder fazer simultaneamente campanhas ao lado do seu inexpressivo candidato a presidente, Felipe D’Ávilla, e de Bolsonaro, mas concluiu que isso prejudicaria a sua campanha. O fato de um candidato líder nas pesquisas no Estado que tem 16 milhões de eleitores não querer proximidade com o presidente seria inimaginável se a campanha estivesse bem.
O medo contaminou o governo. Voluntaristas, o ministro Paulo Guedes e a presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, visitaram ministros do Supremo Tribunal Federal com uma absurda tese de uma anistia preventiva a Bolsonaro, como informou o jornal digital Poder360. Em troca de uma trégua, enviados do governo procuram ministros do STF e do TCU com a proposta de que Alexandre de Moares renunciasse da presidência do inquérito das fake news, o processo que mais ameaça os filhos do presidente, como revelou a repórter Andréia Sadi, da Globonews. Guedes disse que se os ministros concordassem, ele teria condições de fazer Bolsonaro baixar o tom nas manifestações de Sete de Setembro, parar de criticar as urnas eletrônicas e aceitar uma eventual derrota. Você acreditou que Guedes poderia convencer Bolsonaro de tudo isso? Nem os ministros do STF.
Em Bolsonaro, o medo é o combustível do radicalismo. Se não tem força para convencer bajuladores com Nunes Marques e Damares Alves, resta ao presidente o poder da intimidação. A cada semana, ele aumenta o volume das ameaças contra o STF nas manifestações de Sete de Setembro, que nas redes de WhatsApp bolsonaristas são postas com um tom apocalítico “do bem contra o mal, de morrer por nossa liberdade”. O medo não é um bom conselheiro.