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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O galope de Marçal

Coach atrai votos bolsonaristas de Ricardo Nunes e agita a campanha pela prefeitura de São Paulo

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 ago 2024, 22h00 - Publicado em 17 ago 2024, 13h17

O coach Pablo Marçal está capturando eleitores bolsonaristas do prefeito Ricardo Nunes na disputa pela prefeitura da cidade de São Paulo. Pesquisas internas de dois candidatos a prefeito mostram que o coach está na margem de erro de um triplo empate com o próprio Ricardo Nunes e o candidato Guilherme Boulos.

Mesmo antes das pesquisas, Bolsonaro já havia sentido a mudança do vento. Na quinta-feira em entrevista à Rádio 96 FM de Natal, o ex-presidente Jair Bolsonaro disse o seguinte sobre Pablo Marçal, candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo:

“Fala muito bem, uma pessoa inteligente, tem suas virtudes. Não tem experiência, mas faz parte”.

Em seguida, ele disse o seguinte sobre o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, a quem apoia oficialmente:

“Eu fechei com o Ricardo Nunes. Não é o meu candidato dos sonhos, mas eu tenho um compromisso. Vou ajudá-lo onde for possível”.

Por que Bolsonaro falaria em Natal sobre a eleição em São Paulo? Porque quer avisar a Nunes e ao PL que pode subir na candidatura de Marçal se as pesquisas mudarem de rumo. 

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Pablo Marçal é o bolsonarismo 2.0. Não fala em Bolsonaro, não tem o apoio de Bolsonaro, mas assim como seu ídolo ele se apresenta como um candidato antipolítica, conservador, cristão e “autêntico”, o nome que os marqueteiros dão para pessoas toscas. Do ponto de vista formal, seu desempenho nos dois debates até agora foi ruim. Mas quem se importa com propostas quando se tem repercussão?

É preciso ter estado em Marte para não ter assistido a um dos vários vídeos do debate da semana passada, quando Marçal sacou uma carteira de trabalho e a usou como um instrumento de exorcismo contra o adversário Guilherme Boulos. Somados, apenas os vídeos de Marçal no Instagram acumularam mais de 4 milhões de visualizações em dois dias. Assim como Carlos Bolsonaro fez em 2018 para a campanha do pai, Marçal ganhou impulso pela trolagem, com vídeos curtos misturando humor de quinta série e ódio à esquerda. Dá muito certo.  

Na ciência política, o que Marçal faz é chamado de ‘galope de Gish’, termo cunhado pela antropóloga americana Eugenie Scott para a estratégia retórica do criacionista americano Duane Gish. Nos debates sobre a intervenção divina na origem do universo, Gish encadeava meias verdades, estatísticas fora de contexto, deturpações e mentiras numa profusão e velocidade que o interlocutor não sabia por onde começar a resposta. É a retórica de metralhadora giratória que consagrou populistas como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Javier Millei.

A técnica é fazer com que, por mais que o adversário refute parte das falácias, outra parte não será respondida. A intenção não é ganhar o debate, mas gerar no público a impressão de que o autor das mentiras não apenas é sincero, como está enfrentando todo um sistema para poder dizer a verdade. 

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É difícil se contrapor a um candidato assim, como explicou o programador italiano Alberto Brandolini que, em 2013, fez um axioma sobre a dificuldade de checar e corrigir a profusão de besteiras na internet: “a quantidade de energia necessária para refutar uma besteira é uma ordem de magnitude (ou seja, dez vezes mais) do que a necessária para produzi-la”.  

Na pesquisa Datafolha da semana passada, Marçal aparecia em terceiro lugar 14% das intenções de voto, atrás de Nunes, com 23%, e  Boulos, com 22%.  Durante a semana, os trackings da campanha de Nunes mostraram que Marçal tem a preferência de 40% dos eleitores bolsonaristas.  

Em uma cidade onde 6 entre 10 eleitores rejeitam Bolsonaro, Marçal tem a vantagem de poder angariar a simpatia deles sem precisar do apoio formal do ex-presidente. Enquanto Nunes carrega o ônus e o bônus, Marçal até agora só tem o bônus. 

Com mais de 12 milhões de seguidores no Instagram, Marçal coloca seus seguidores para trabalhar para ele, premiando com dinheiro os criadores dos cortes de vídeo com maior engajamento, numa espiral de repercussão sem fim. 

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Coach de autoajuda, Marçal declarou R$ 190 milhões de patrimônio à Justiça, ganhos com cursos no estilo “os códigos do milhão” e “como ser um vencedor”, que custam a partir de R$ 20 mil. No ano passado, um homem que participava de um desses cursos morreu após sofrer uma parada cardíaca durante uma maratona surpresa. 

Em 2022, ele colocou um grupo de 32 seguidores perdidos no Pico dos Marins, um dos mais altos do estado de São Paulo e trilha com histórico de mortes. No curso, Marçal prometia aos alunos “códigos que destravassem a mente” ao fim da escalada O grupo precisou ser resgatado pelos bombeiros sob risco de hipotermia. 

A sua ficha criminal inclui uma condenação em Goiás por furto qualificado por participar de uma quadrilha que criava sites falsos de bancos públicos, enviar cobranças por inadimplência para correntistas, obter dados pessoais e roubar o dinheiro das contas. 

Eleito deputado federal em 2022 com 243 mil votos, Marçal teve sua candidatura cassada por abuso de poder econômico e fraude na contabilidade. A Polícia Federal investiga Marçal por indícios de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita eleitoral e lavagem de dinheiro durante as eleições do ano anterior.

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No mundo normal, um sujeito com esse histórico estaria ocupado com a sua defesa judicial. Não vivemos num mundo normal.

Nesse início de campanha, Marçal já disse que a sua principal proposta é “tirar Nunes da prefeitura”, mas a sua vítima preferencial é Boulos. Assumindo o mesmo papel que Bolsonaro teve em eleições anteriores, insinuou que Boulos usa drogas, é um terrorista e não trabalha. No debate do Estadão,  por pouco os dois não trocaram socos. 

Tirando votos de Nunes e desequilibrando Boulos, Marçal já é o primeiro vitorioso dessa eleição. O seu interesse não é ser eleito prefeito, mas furar a bolha dos seus seguidores, ampliar a possibilidade de negócios e chamar para si parte da extrema direita órfã desde que Bolsonaro perdeu os direitos políticos. Isso ele já conseguiu. 

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