O efeito Jornal Nacional
A exibição do vídeo da reunião ministerial, com seus xingamentos e ameaças, pode não derrubar o governo. Mas afetará o seu destino
O ministro do STF Celso de Mello deve liberar o vídeo da histórica reunião ministerial do governo Bolsonaro de 22 de abril,entre hoje, 20, e sexta-feira, embora esteja indefinida se essa revelação será integral ou apenas dos trechos com falas do presidente.
Desde a semana passada, estão sendo vazados detalhes da descompostura do presidente em seus ministros, incluindo xingamentos, assédios morais e ameaças. Pelo que se conhece, fica evidente que Jair Bolsonaro tornou público a todos auxiliares que poderia demitir o então ministro Sergio Moro caso não tivesse acesso à informações privilegiadas da Polícia Federal do Rio. É improvável que a confirmação dessa interferência implique em risco imediato para o mandato de Bolsonaro. Como escrevi em outra coluna, balas de prata são difíceis de achar. Mas os efeitos da divulgação a dezenas de milhões de brasileiros serão duradouros para o destino do governo.
Há uma diferença entre como a sociedade percebe um fato lido por um apresentador de TV e quando o assiste sem intermediários. Para comparar: era notório no início de 2016 que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fora convidado a virar ministro da Casa Civil porque o cargo lhe daria anteparos contra ações da Força Tarefa da Lava Jato. Mas foi a liberação irregular do diálogo entre Lula e a presidente Dilma Rousseff, deixando claro que a posse era um salvo-conduto, que fez explodir o termômetro daquela crise. A divulgação da gravação nas redes de TV e a imediata suspensão da posse de Lula foram pontos de inflexão no processo que, meses depois, levou ao impeachment de Dilma e à condenação judicial de Lula.
O presidente Michel Temer não perdeu o cargo, mas o rumo quando o Jornal Nacional divulgou os áudios da sua conversa com o empresário Joesley Batista. Dias depois, o mesmo JN divulgou imagens gravadas pela Polícia Federal de um dos principais assessores do então presidente saindo de uma pizzaria com R$ 500 mil de suborno. Temer não caiu porque entregou anéis, dedos e cargos para os deputados, mas o seu governo acabou ali.
De acordo com os relatos já vazados, a reunião ministerial do governo Bolsonaro de 22 de abril tem um tom cafajeste. O presidente diz que as investigações da Polícia Federal querem “foder sua família” e “colocar nas hemorroidas”, chamou os governadores João Doria de “bosta” e Wilson Witzel de “estrume”.
Em um libelo de várias teorias de conspiração, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que “tem que mandar todo mundo para a cadeia, começando pelos ministros do STF”. A ministra da Mulher, da Família, e dos Direitos Humanos, Damares Alves, foi na mesma linha, defendendo a prisão de prefeitos e governadores que decretaram quarentena. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acusou a China (o principal parceiro comercial do País) de fabricar o coronavírus em um plano de domínio global.
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Clique e AssinePara o público leitor, portanto, deve haver pouca novidade na divulgação do vídeo, mas a reação da sociedade é imprevisível. A TV, especialmente na quarentena, ainda é a força magnética das famílias brasileiras, que assistirão o seu presidente exigindo o inadmissível em tom de técnico no vestiário de futebol. Mesmo quando se sabe que o presidente não presta atenção à liturgia, a fala de Bolsonaro rebaixa a dignidade do cargo. Com o agravante de Bolsonaro ter sido eleito sob a promessa de defender valores familiares, o que inclui além de não usar a estrutura do Estado para proteger seus filhos, um linguajar minimamente educado.
É necessário cautela nas previsões sobre como a divulgação do vídeo da fúria presidencial afetarão o ânimos das investigações sobre a interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e o humor do Congresso em um eventual processo de impeachment. É possível que em algumas semanas, o vídeo seja lembrado como mais um episódio da série de desgastes no governo Bolsonaro. A história mostra, no entanto, que é assim, aos poucos, que os governos se desintegram. Não com uma explosão, mas um suspiro.