O Domingão do Jair
Manifestação na Avenida Paulista pode definir o poder de Bolsonaro em escolher seu sucessor
O Domingão do Jair, a manifestação deste domingo em solidariedade ao ex-presidente Jair Bolsonaro, será um teste de força para a escolha do herdeiro do antipetismo. Lógico que no domingo Bolsonaro será a estrela do protesto contra as investigações do STF, mas o que importa em termos políticos é se a partir de segunda-feira ele continuará liderando a oposição ou se estará tão ocupado com sua defesa jurídica que terá de passar já o bastão para um sucessor. Todo o resto — os discursos, as bravatas e as ameaças — é apenas retórica. O evento deste domingo vai começar a responder se existe bolsonarismo sem Bolsonaro.
Na sexta-feira, o porta-voz informal do ex-presidente, Fabio Wajngarten, estimou que o evento na avenida Paulista vai reunir 700 mil pessoas. É um número altamente improvável. Em 7 setembro de 2021, quando o então presidente Bolsonaro chamou o ministro do STF Alexandre de Moraes de “canalha” e ameaçou intervir no STF, o aparato oficial só juntou 125 mil pessoas na Paulista, um fracasso que obrigou a um recuo no dia seguinte. O maior comício da última década na Paulista foi o de maio de 2016 pelo impeachment de Dilma Rousseff, que reuniu 500 mil pessoas, segundo o Datafolha. O número de Wajngarten, portanto, é de um otimismo fora da curva. Se reunir mais de 200 mil pessoas de fato, e não nas contas da Polícia Militar paulista, Bolsonaro terá marcado sua posição. Metade disso e Bolsonaro estará com problemas.
Mesmo uma surpreendente multidão de 700 mil pessoas na avenida Paulista não muda o essencial, as investigações sobre o envolvimento de Bolsonaro no planejamento de um golpe de Estado prosseguirão e as evidências já divulgadas são suficientes para uma condenação. No front jurídico, portanto, uma massa de gente ao lado do ex-presidente no domingo significa pouco. Na política, no entanto, um Bolsonaro forte faz muita diferença.
Há similaridades entre as circunstâncias políticas de Bolsonaro hoje e as de Lula em 2018 (no mérito, obviamente, os casos são diferentes). Nos dois episódios, ex-presidentes com popularidade gigante eram alvo de investigação da Polícia Federal, que incluía familiares e ex-assessores. Informações do inquérito eram vazadas de forma selecionada e prisões foram estendidas para incentivar acordos de delação premiada. Em 2018, o resultado não apenas alijou Lula da disputa, como fez com que o petista se concentrasse apenas em sua defesa jurídica. Algo parecido já acontece com Bolsonaro. Hoje o ex-presidente parece mais preocupado em livrar a si mesmo e a seus filhos da cadeia do que liderar a oposição.
Mesmo preso e com o partido em frangalhos, Lula conseguiu colocar seu herdeiro Fernando Haddad no segundo turno de 2018. É provável que Bolsonaro mantenha a mesma força. Não existe hoje nenhum outro político que consiga juntar os vários grupos antipetistas como Bolsonaro faz. Por isso, ser o indicado para herdar o bolsonarismo é decisivo para quem tem pretensões presidenciais.
Apenas quatro dos dezessete governadores que Bolsonaro ajudou a eleger estarão no ato de domingo – e três deles são pré-candidatos em 2026: Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ronaldo Caiado. Governador de São Paulo, Tarcísio não tinha opção. Mesmo que prefira ser candidato à reeleição em 2026, Tarcísio conhece o risco de ser visto como um “traidor” pelo bolsonarismo.
Rompido com Bolsonaro durante a pandemia de Covid, Caiado tenta se reaproximar de Bolsonaro, mas sofre resistências da família. Embora Caiado esteja seja um líder do agro, precisa do ex-presidente para avançar sobre outros núcleos antipetistas, como os evangélicos. O terceiro possível presidenciável em 2026, o mineiro Romeu Zema só confirmou presença no sábado de manhã com a condição de que não iria discursar. Tarcísio, Caiado e Zema estarão fisicamente na Paulista, mas seus espíritos já estão olhando para 2026.