O constrangimento que move Brasília
O medo do vexame é a força por trás do recuo militar frente a Gilmar Mendes
Você já deve ter ouvido que Brasília, a cidade símbolo do poder no Brasil, se move por dinheiro. Das “rachadinhas” nos gabinetes parlamentares aos aditivos nos contratos de grande obras, o dinheiro, de fato, alimenta a política. Também dizem que Brasília se move pela ambição. O deputado de hoje quer ser o governador de amanhã, ou no mínimo ser um prefeito. Ou que Brasília é pura vaidade, o pecado favorito de todas as fontes de informação dos jornalistas, lobistas e agentes do mercado financeiro. Ou ainda pela inveja, o monstro de olhos verdes que faz o governante de hoje basear seu mandato em destruir o que seus antecessores construíram. É tudo verdade. Hoje vamos falar de um sentimento menos explorado, o constrangimento.
Constranger, do Latim “constringere”, tem no poder brasiliense o sentido de coagir, compelir, embaraçar. Não necessariamente por uma ameaça ou chantagem, mas pelo maior terror dos poderosos, sejam eles ministros do Supremo Tribunal Federal, senadores ou generais, o medo de passar vergonha.
É impossível entender como funciona a cabeça das mulheres e homens mais poderosos deste país se você não compreender o quanto elas e eles temem ser vítimas de um vexame, de mostrar fraqueza e impotência.
No auge da Operação Lava Jato, por exemplo, ministros do STF temiam entrar nos aviões e serem vaiados caso tivessem concedido alguma liminar a um acusado. Deputados escondiam os broches que identificam os donos de mandato quando estavam nos restaurantes. Suspeitos tinham mais pânico das câmaras de TV do que dos processos judiciais. Um deles repetiu a seu advogado a variação de um pedido do traficante Elias Maluco ao ser capturado, “prende, mas não escracha no Jornal Nacional”.
A derrocada da Lava Jato não mudou o clima, apenas a pauta. No ano passado, Jair Bolsonaro era aplaudido nos estádios de futebol, mas isso foi antes da pandemia. Hoje o seu destino seria similar ao de Luiz Inácio Lula da Silva (vaiado na abertura do Pan Americano de 2007), Dilma Rousseff (xingada na abertura da Copa do Mundo de 2014) e Michel Temer (apupado no primeiro dia da Olimpíada de 2016). Conviver com o medo da vaia faz parte dos ônus do poder.
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Clique e AssineO constrangimento, no entanto, não é apenas uma força paralisante. Ele também faz o político, o ministro do STF e o presidente se moverem.
A discussão entre o ministro STF Gilmar Mendes e o Exército é puro exercício de constrangimento. Equivocamente, o Exército permitiu em meados de abril que um general da ativa assumisse o Ministério da Saúde. Quando o general Eduardo Pazuello aceitou interinamente o cargo de ministro dois meses atrás, o Brasil contava 14 mil mortos por Covid19. Hoje passam de 74 mil. O País virou exemplo da mais desastrosa gestão sanitária do planeta, comandada por Pazuello e outros 28 oficiais do Exército que entendem tanto de epidemiologia quanto de epiderme.
Gilmar Mendes afirmou que com o descalabro na Saúde o Exército estava se associando a um genocídio. Os generais reagiram, soltaram nota ameaçadora, pediram providências à Procuradoria Geral da República, mas sentiram o baque. O ministro do STF acertou no alvo ao mostrar que a honra dos militares está escoando ladeira abaixo ao permitir que um dos seus generais assumisse um cargo para o qual não nenhum preparo. Apesar da grita verde-oliva, Pazuello tem dois opções: ou pede para ir para reserva ou deixa o cargo.
É o constrangimento também que, eventualmente, vai obrigar o ministro Paulo Guedes a apresentar a proposta de reforma tributária federal, aquele que faz um ano ele promete para “a semana que vem”.
É o constrangimento que fez Jair Bolsonaro suspender, ao menos por ora, as insinuações de golpe militar. Depois da prisão de Fabrício Queiroz, o presidente foi informado que se ordenasse uma ação militar contra o STF, poderia ser ignorado. Seria um vexame, uma mostra de fraqueza, o fim do seu mandato. O constrangimento é uma força invencível em Brasília.