Lula precisa dar foco aos ministros
Agendas próprias dos ministros provocam disputas internas e atrasa resultados
Passados quatro meses, o governo Lula é um paradoxo. Por um lado, há um presidente mais centralizador, menos acessível e muito mais impaciente do que nos dois mandatos anteriores. Só que isso não se reflete em um governo com uma direção única. Os ministros operam sem coordenação, muitos deles com agendas pessoais e contraditórias com outros interesses do governo.
Alguns exemplos:
Em abril, o mercado e o Congresso se assustaram com um decreto mudando as regras do setor de saneamento. A mudança com efeito em todo o país teve como único propósito resolver uma pendência na Bahia, estado do ministro da Casa Civil, Rui Costa. O ministro brigou com o seu padrinho político, Jaques Wagner, por questões familiares e agora Lula tem o seu principal ministro sem falar com o seu líder no Senado.
O Ministro da Justiça, Flávio Dino, tem uma agenda de entrevistas e posicionamento político sem conversa prévia com os colegas, inclusive o presidente. Por meses, ele impediu a nomeação de juízes federais para não dividir as escolhas com outros ministros. Na semana passada, Dino tentava influir na indicação dos membros do PSD e PSB da CPI do 8 de Janeiro sem avisar os líderes do governo.
Na Educação, Camilo Santana anunciou a suspensão da implantação do Novo Ensino Médio sem uma mensagem de WhatsApp ao Planalto.
Tanto Rui Costa quanto Flávio Dino e Camilo Santana foram governadores por oito anos e sua ação autônoma poderia ser tomada como apenas um traço de quem está desacostumado a obedecer. Mas os exemplos seguem:
A demissão do general Gonçalves Dias, do Gabinete de Segurança Institucional, foi por pressão de Flávio Dino, Paulo Pimenta e Janja da Silva. O Planalto sabia que G. Dias esteve no palácio no 8 de Janeiro, meses antes de o fato ser exibido pela CNN.
No Ministério da Defesa, José Múcio tenta recolocar os militares nos quartéis sob artilharia de Flávio Dino e Paulo Pimenta.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, do PSD, conspira a céu aberto para derrubar o presidente da Petrobras, o petista Jean-Paul Prates.
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que tem tanto prestígio no setor que nem sequer consegue ser convidado para a maior feira agrícola de São Paulo, comparou as invasões de terra pelo MST com a tentativa de golpe de 8 de janeiro — contrariando todos os discursos de Lula.
Sem conseguir coordenar as falas do chefe, da primeira-dama e dos colegas, o ministro de Comunicação Social, Paulo Pimenta, transformou seu gabinete num comitê para sua promoção política no Rio Grande do Sul.
Semana sim, semana também, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, anuncia que vai acabar com o uso do FGTS como garantia de crédito bancário, modelo que permite uma das taxas de empréstimos mais baixas do mercado. Acabar com a garantia do FGTS vai empurrar milhares de trabalhadores para empréstimos mais caros, uma contradição com uma das promessas da campanha de ajudar o eleitor a renegociar suas dívidas.
Eleita deputada pelo União Brasil, a ministra do Turismo, Daniela do Waguinho, rompeu com o partido e se ofereceu para o Republicanos sem combinar com o ministro da Articulação Política, Alexandre Padilha.
Sem cargo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, se posicionou por dois meses como o alter ego do presidente Lula nas redes sociais, até que uma aliança de Fernando Haddad, Alexandre Padilha e Rui Costa a retirou do centro das decisões. Mesmo assim, Hoffmann segue um fator de pressão para dar feições mais à esquerda para o governo.
O caso do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é um pouco distinto dos demais, mas confirma a regra. O Ministério da Fazenda opera completamente independente do resto do governo, seja na formulação de políticas fiscais, seja até nos acordos para aprovação de medidas no Congresso. Quando fez o arcabouço fiscal, Fernando Haddad fez questão de só detalhar o projeto verbalmente para Rui Costa e Esther Dweck horas antes de fazer uma apresentação para Lula. A diferença de Haddad com os demais é que ele combinou seus projetos antes com Lula, apenas não divide a informação.
É nítido que as relações de Haddad com Luiz Marinho e Gleisi Hoffmann são ruins e não muito boas com Rui Costa. Isolado, o ministro da Fazenda parece se coordenar melhor com Simone Tebet e Geraldo Alckmin do que com os ministros do PT.
Não há casos de deslealdade de ministros com o presidente, apenas um laissez-faire, como um reino da Idade Média no qual ninguém contesta a autoridade do rei, mas cada nobre opera pensando apenas no seu feudo. Nesses quatro meses de Lula 3, cada um faz o que quer contanto que não aborreça o presidente.
Nos governos Lula 1 e 2 nada disso seria possível. Primeiro porque Lula despachava mais vezes individualmente com os ministros. Segundo porque os chefes da Casa Civil — José Dirceu e Dilma Rousseff — eram figuras fortes. Terceiro, havia uma preocupação de dar um rosto ao governo, mesmo que fosse pela amplitude de ter um ministro da Agricultura como Roberto Rodrigues e uma do Meio Ambiente como Marina Silva. Em Lula 1 e 2, haver divergência entre ministros fazia parte do pluralismo. Em Lula 3, os dois símbolos da frente ampla que elegeu Lula — o vice Geraldo Alckmin e a ministra Simone Tebet — são coadjuvantes.
Governos descoordenados não são uma novidade no Brasil. O governo Itamar Franco era uma nau sem rumo até FHC assumir a Fazenda, o segundo mandato de Dilma Rousseff foi caótico e o mandato de Jair Bolsonaro uma coletânea de tuítes raivosos e bravatas sobre chamar o “meu Exército”.
Lula 3 não está perto de nenhum desses três casos, mas o tempo para um freio de arrumação é curto. Lula precisa dar foco aos ministros logo porque as agendas próprias vão atrasar os resultados do governo. No segundo semestre, quando a economia retrair e possivelmente a popularidade presidencial cair, o governo vai precisar de um rumo e coordenação que hoje não tem.