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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Dez pontos para ficar atento em 2024

Colunista lista o que fará diferença na política neste ano

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 17h12 - Publicado em 1 jan 2024, 09h34

A disputa entre Haddad x PT

A maior encruzilhada do governo Lula é a disputa pelo comando da economia entre o ministro Fernando Haddad e o PT. Deste impasse se resolve o rumo do governo a partir de 2024 e, possivelmente, o candidato à sucessão do presidente.

Ao fim do primeiro trimestre, entre a divulgação do relatório de arrecadação e receitas em março e o envio do projeto de lei do orçamento de 2025 em abril, Lula terá de decidir o tamanho do contingenciamento de gastos federais e se irá revisar a meta de déficit zero. Se o presidente seguir com as recomendações de Haddad, 2024 será um ano de maior controle fiscal. Se Lula ficar ao lado do ministro Rui Costa e da deputada Gleisi Hoffmann, como parece hoje mais provável, será um governo com o mesmo ritmo de gastos atuais e acreditando nas obras federais para acelerar o crescimento. Numa analogia, seria como escolher entre ser Lula 1 ou ser Lula 2, mas sob circunstâncias políticas e econômicas bem distintas.

A polarização municipal

As eleições para prefeito são, geralmente, um debate sobre preço de passagens de ônibus, valor do IPTU e filas nas matrículas das escolas municipais, mas há indicadores de que serão diferentes em 2024. Tanto Lula da Silva quanto Jair Bolsonaro estão ativamente interferindo nas escolhas de candidatos para tornar a disputa uma prévia de 2026.

Mais importante do que supor agora se isso vai ajudar Guilherme Boulos a ser eleito em São Paulo ou Alexandre Ramagem no Rio de Janeiro, a nacionalização da disputa municipal deve intensificar a polarização política. Isso pode antecipar para 2024 o clima extremista entre eleitores de Lula e antipetistas que deveria ficar para 2026 e terá efeito no Congresso, radicalizando as posições dos deputados e dificultando a criação de consensos.

A sucessão de Arthur Lira

Mais poderoso presidente da Câmara do século, Arthur Lira vai enfrentar seu maior adversário, o tempo. Quanto mais perto estiver da eleição do seu sucessor, em fevereiro de 2025, mais a atenção dos deputados estará em embarcar na campanha vencedora. Em todas as vezes anteriores, isso significou o encolhimento do poder do presidente em exercício.

A preços de hoje, o candidato de Lira é o líder do União Brasil, Elmar Nascimento, político de sinceridade crua e representante mais fiel do que se convencional chamar de ‘baixo clero’. Seu principal adversário é o presidente do Republicanos e bispo da Igreja Universal, Marcos Pereira, que faria uma gestão mais abertamente de oposição ao governo Lula. Sem candidato óbvio, a base do governo pode se agrupar em torno do deputado Antonio Brito, do PSD. O PT teve experiências amargas com as derrotas nas eleições da Câmara de 2005 e 2015 e um novo erro pode prejudicar a relação do governo com o Congresso.

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Quando mais tempo Lira segurar as campanhas, maior será a sua influência na própria sucessão. Como ainda não há um franco favorito, a eleição tende a se tornar o eixo das votações. Um determinado projeto, por exemplo, pode deixar de ser aprovado não porque ajuda ou prejudica o governo, mas porque revela a influência do candidato A ou B a presidente da Câmara.

A disputa no Senado

No Senado, Rodrigo Pacheco tem um sucesso escolhido e declarado – Davi Alcolumbre, da União Brasil, e para impedir o surgimento de um candidato de oposição tem se aproximado de algumas teses bolsonaristas, como o enfrentar o STF. É possível supor que o próximo passado dessa construção de pontes com o bolsonarismo seja dificultar a aprovação de projetos do governo Lula.

O lulismo do STF

O governo Lula pode ter maioria tênue no Senado e incerta na Câmara, mas tem um apoio inequívoco no Supremo. Desde FHC, nenhum governo teve a seu lado tantos ministros do STF.

Saber que conta com essa maioria permite ao ministro Haddad uma carta de supertrunfo nas disputas com o Congresso ou empresariado, como foi o caso dos julgamentos dos pagamentos dos precatórios, da correção do FGTS e da revisão da previdência pré-1999. Isso terá efeito, por exemplo, no ímpeto de as empresas recorrerem ao STF contra a lei de cobrança dos créditos presumidos, sob risco de perderem as vantagens de um acordo extrajudicial.

O último ano de Campos Neto

A substituição de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central será um dos maiores fatores de instabilidade no mercado financeiro a partir de junho. Em tese, o presidente Lula só precisa enviar o nome do indicado para sabatina e aprovação do Senado em dezembro, mas tanto Haddad quanto Campos Neto vão defender um tempo para transição.

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A preços de hoje o favorito é o diretor Gabriel Galípolo, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda com uma relação direta com Lula. No BC desde agosto, Galípolo tem mantido uma postura discreta e seus votos nas reuniões do Comitê de Política Econômica combinaram com os de Campos Neto. A pressão no mercado para que o escolhido seja um nome com mais experiência, contudo, será gigante.

A resistência de Prates

Dia sim, noutro também, o presidente Lula escuta um ministro falar mal do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. A possibilidade da sua substituição em março, ao meio da reforma ministerial, é debatida sem freios no Palácio do Planalto.

Um dos únicos presidentes da Petrobras que conhece o setor de petróleo, Prates é criticado pelo que faz de certo e de errado. Desde outubro ele poderia ter baixado os preços da gasolina, que subiram 11% em 2023. A demora é justificada no Planalto como uma forma de fazer caixa para ajudar num mega acordo de pagamentos de dívidas da Petrobras com a União. Esse acordo é essencial para Haddad chegar perto da meta fiscal zero em 2024 e essa expectativa é a única corda que sustentou Prates no cargo até a virada do ano. Se o acordo não for satisfatório, a posição de Prates fica complicada.

A ameaça Trump

O governo Lula não está preparado para uma eventual volta de Donald Trump. Inspiração para o bolsonarismo, a força do candidato republicano terá efeito imediato na radicalização da polarização brasileira. Se Trump vencer, a direita radicalizada tentará retomar controle da oposição, copiando métodos de campanha e reforçando a mentira de que houve fraude nas eleições de 2020 e 22.

A política externa de Lula, que em 2023 várias vezes flertou com um antiamericanismo vintage, terá um espaço de manobra menor na arena internacional com a agenda Biden atenta apenas à política interna. Se perder, Biden vai deixar saudades no Itamaraty.

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Até onde vai o outsider

No clássico “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt estabeleceram a teoria que democracias não caem mais pela violência, mas são corroídas por dentro, por meio de mudanças permitidas ou forçadas. Em 2024 ficará claro se Javier Milei é um outsider em busca de formar um governo autoritário na Argentina. A questão é menos se ele conseguirá o que quer, mas se terminará 2024 como presidente e se o país sobreviverá.

Milei mostrou que conhece os ritos dos políticos retratados no livro de Levitsky e Ziblatt e outras obras sobre recentes radicais autoritários: usa o discurso da liberdade, joga na cizânia entre os dignos (seus apoiadores) e os indignos e toma medidas para mudar as eleições e a política em seu favor.

O novo presidente editou mais de 600 propostas que mudam a economia, o estado e os direitos de opinião argentinos. Por sua extensão, o pacote é uma versão portenha do plano Collor com os arroubos antidemocráticos de João Figueiredo. Não são exemplos promissores.

A blindagem de Lula

Ao contrário dos mandatos anteriores, o Lula versão de 2023 tomou as suas principais decisões sozinho. Lógico que ele despachou regularmente com os ministros Rui Costa, Fernando Haddad, Alexandre Padilha e Paulo Pimenta, o assessor Celso Amorim e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, além de ouvir a mulher, Janja da Silva. A posição final, contudo, foi eminentemente solitária.

Na principal decisão no front político, Lula usou sua intuição para demitir o comandante do Exército que havia sugerido intervenção militar para controlar o golpismo de 8 de janeiro, o que na opinião do presidente poderia dar aos militares a chance de derrubá-lo. Alguns assessores temiam uma reação da caserna. Outros queriam uma troca geral em todos os comandos, incluindo o Ministério da Defesa. O presidente ouviu, mas mediu o risco sozinho.

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Meses depois, Lula fechou um acordo para incorporar os partidos do Centrão ao governo, como defendiam quase todos os seus ministros, mas no seu ritmo. A incorporação de PP, Republicanos e União Brasil ao governo é tão lenta que até hoje não foram cumpridas promessas de cargos feitas em agosto.

No front econômico, informado em janeiro da possibilidade de uma retração no último trimestre de 2023, Lula aumentou o salário mínimo acima da inflação, ampliou a isenção do imposto de renda, recriou bônus para o Bolsa Família e pressionou pelo programa de renegociação de dívidas Desenrola. Convencido pelo PT de que o déficit zero era uma miragem, disse isso publicamente em um café da manhã com jornalistas. Convencido do erro em reconhecer o fracasso antes das votações do Congresso, recuou e deu a Haddad a força política para aprovar o maior pacote de impostos em anos.

O Lula de 2024 terá uma agenda legislativa menos ambiciosa (a reforma da renda e as leis complementares da reforma tributária devem ser destaques) e focada na agenda local. As primeiras inaugurações do PAC e as eleições municipais vão tomar o seu tempo. O foco internacional estará na preparação do G20, em novembro, no Rio, que poderá lhe dar o palco que não conseguiu no primeiro ano de mandato.

Este Lula blindado por assessores que pensam parecido é uma garantia de lealdade ao presidente, mas também tornam o governo menos poroso a ideias e diagnósticos diferentes. A solidão de Lula é a característica singular deste mandato.

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