Com Supremo e tudo
Apoio a Lula no STF garante ao governo um freio aos problemas no Congresso
A sutileza não é o forte de Brasília. Horas depois de ser informado que, depois de dois meses de adiamentos, o presidente Lula da Silva indicaria Flávio Dino como ministro do STF e Paulo Gonet como novo procurador-geral da República, o ministro do STF Luiz Fux soltou para julgamento o pedido do Ministério da Fazenda para quitar as dívidas de precatório fora do arcabouço fiscal. Dino e Gonet eram os candidatos preferidos dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Luís Barroso. A resposta do STF à concessão de Lula veio rápida.
Na madrugada de segunda-feira, 27, Fux votou no plenário virtual a favor da tese do governo de que era inconstitucional a manobra do governo Bolsonaro para adiar o pagamento dos precatórios. Ainda no meio daquela manhã, quando outros três ministros haviam soltado seus votos também favoráveis ao governo, o ministro André Mendonça pediu vistas ao processo, o que poderia adiar o fim do julgamento por três meses. Pressionado por todos os colegas, Mendonça devolveu o seu voto dois dias depois, contra o governo. Na quinta-feira, o julgamento acabou: foram nove votos a um. Quase todos os ministros utilizaram entre seus argumentos a defesa do Marco Fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O calote dos precatórios foi um dos piores momentos da gestão do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. Sem pagar as dívidas judiciais, o governo Bolsonaro aumentou de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio Brasil, cortou impostos federais de combustíveis e fez a farra do boi para tentar se reeleger. A conta de R$ 95 bilhões ficou com o governo Lula. Sem dinheiro, a proposta de Haddad foi pagar a dívida fora do Arcabouço Fiscal. Tentou primeiro convencer os juízes a considerar as dívidas dos precatórios como “despesas operacionais”, uma farsa de contabilidade. A decisão do STF foi mais direta e autorizou o pagamento via crédito extraordinário.
Mais do que um alívio para Haddad, o julgamento do STF revela a extrema boa vontade da Corte com o governo Lula. É impossível projetar o sucesso da agenda fiscal daqui para frente sem incluir no cenário essa benevolência judicial. Dependente do humor de Arthur Lira na Câmara e com maioria instável no Senado, Lula tem no Supremo seu maior aliado.
Na quarta-feira, dia 6, o julgamento sobre a liminar abrindo brechas na lei das estatais, que limita indicações políticas, foi suspensa por um pedido de vista. Voltará a julgamento apenas no ano que vem, depois da provável posse de Flávio Dino no STF.
Na semana passada, Alexandre de Moraes pediu destaque no julgamento que trata da “revisão da vida toda” dos benefícios do INSS, com largo potencial de prejuízo para a União. Com a ajuda de Moraes, a análise do processo que estava empatado em 3 a 3 voltará ao zero. Em dezembro do ano passado, por 6 votos a 5, o STF havia decidido que aposentados podem solicitar que toda a vida contributiva seja considerada no cálculo do benefício da previdência. Até então, só eram consideradas as contribuições a partir de 1994. Estimativas do INSS são de que uma vitória dos aposentados causaria impacto de R$ 480 bilhões. O reinício do julgamento dá mais tempo para a tese dos ministros Cristiano Zanin, Luís Barroso e Dias Toffoli de devolver o processo para o Superior Tribunal de Justiça, o que na prática significaria adiar por anos uma decisão final.
Também nas últimas semanas, o STF suspendeu o julgamento que discute a correção monetária dos saldos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Há três votos para que a correção seja no mínimo igual à da caderneta de poupança a partir de 2025 (2025 (hoje seria de 6,17% ao ano mais a variação da TR). Hoje FGTS tem correção de 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR) – em novembro, este índice está em 0,08. No seu voto, Luís Barroso citou a preocupação com o efeito do julgamento sobre as contas públicas. A Advocacia-Geral da União estima impacto de R$ 31 bilhões em quinze anos se for aprovada a correção monetária igual à caderneta de poupança.
A presteza dos ministros do STF com Lula torna mais evidente quando comparada ao clima de confronto com o governo Bolsonaro. Vítimas preferenciais do bolsonarismo, os ministros do STF formam agora uma inédita maioria pró-Lula. É fácil supor que dos onze ministros que foram votar no ano passado, pelo menos oito escolheram Lula. Essa maioria se manteve. Desde o governo FHC no século passado um presidente não tem uma supremacia tão forte no Supremo.
É ingenuidade, contudo, achar que o apoio do STF ao governo Lula, no geral, e a Haddad, no particular, sejam apenas reflexo de antipatia por Bolsonaro. Desde que assumiu, Lula negociou todas as indicações de juízes de tribunais com os ministros do STF. Alexandre Moraes fez todos os novos integrantes do Tribunal Superior Eleitoral e Gilmar Mendes indicou seu ex-sócio Gonet para a PGR. É a primeira vez na história que a Procuradoria Geral fica tão evidentemente atrelada ao Supremo. Inteligente, Lula agradou até a oposição. O bolsonarista Kassio Nunes Marques nomeou desembargadores para tribunais regionais.
Com o Supremo vestindo a camisa, o governo Lula ganhou um fôlego para os problemas no Congresso, principalmente na Câmara onde a maioria governista é incerta. Semanas atrás, o executivo de uma grande rede varejista discutia com um técnico do governo sobre a medida provisória que taxa as subvenções do ICMS. O técnico argumentava que a proposta do governo permitia ao empresário ter o perdão da maior parte dos impostos não pagos desde 2017 com a condição de que a partir de 2024 a taxa seria paga. Ouviu de volta que o setor tinha vários pareceres de escritórios de advocacia que duvidavam da legalidade da cobrança. O servidor foi direto: “a gente pode levar isso para o Supremo. Vocês sabem que vão perder e aí vamos cobrar tudo de uma vez”. Assustado e ciente de que isso realmente poderia ocorrer, o executivo recomendou aos seus amigos deputados que votassem a favor da medida provisória. A MP deve ser aprovada na semana que vem.