As mensagens que o mercado não quis ouvir
Ao falar em melhora do gasto público e de prioridade à reforma tributária, Haddad aponta para uma inédita preocupação da esquerda com a eficiência do Estado
A repulsa do mercado ao discurso do ex-ministro Fernando Haddad no almoço promovido pela Febraban nesta sexta-feira, dia 25, se deve aos operadores não terem ouvido a primeira frase da mensagem: “Estou aqui em nome do presidente Lula e não falo em nome pessoal”. O cuidado do possível ministro da Fazenda em não se sentar no cargo antes de ser anunciado foi tomado como um desaforo. Num dia de mercado fraco — com a ressaca do pós-feriado de Ação de Graças nos EUA — o Ibovespa caiu 2,55% e o dólar fechou em alta de 1,89%.
Era um impasse insolúvel. O que o mercado queria ouvir — uma definição da nova âncora fiscal ou a dimensão valor/tempo da PEC da Transição –, Haddad não podia falar. O que o ex-ministro podia falar, os operadores não queriam ouvir.
É fato que faltou ao discurso de Haddad sinalizações simples à responsabilidade fiscal para além do desgastado “nos oito anos do governo Lula…”, mas a irritação dos operadores os impediu de ouvir pontos relevantes do discurso:
· Ele defendeu a continuação da proposta de reforma tributária de Bernardo Appy que gera a maior simplificação de impostos estaduais e municipais da história. É primeira vez que um governo — seja de esquerda ou direita — coloca a reforma tributária como sua prioridade legislativa;
· Ele reforçou que o problema de muitos setores do governo não é orçamento, mas a qualidade do gasto público. Citou especificamente a experiência petista com o Bolsa Família, justamente o cerne dos debates sobre o orçamento de 2023. É o mesmo que dizer que, provavelmente, o novo governo poderá entregar o que prometeu nas urnas com menos que os R$ 175 bilhões pedidos de extraorçamento para 2023;
· Impedido de falar sobre a PEC da Transição (afinal não participa das negociações), Haddad disse a frase que, pela primeira vez na boca de um petista, junta preocupações fiscais e sociais: “Vamos analisar as demandas da sociedade, analisar também o impacto disso do ponto de vista de juros futuros, de trajetória de dívida e de atendimento da população para chegar a um denominador comum”.
Em condições normais, esses três pontos teriam aplausos dos operadores. Não tiveram, mas a responsabilidade nem de Haddad, nem da ansiedade da plateia na Febraban. Os dedos devem estar apontados para Lula, que ao centralizar as decisões e atrasar as definições de ministros faz de seus assessores meros porta-vozes sem autonomia.