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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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As duas canoas da polarização

Governo Lula fala em reconciliação enquanto presidente provoca o bolsonarismo

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 dez 2023, 07h11

O presidente Lula da Silva governa com um pé em cada canoa. A canoa oficial é a da reconciliação de um país mergulhado numa disputa fraticida. É a canoa do slogan oficial “União e Reconstrução” e da bela campanha da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) sobre tolerância no Natal. A segunda canoa é de quando fala para os seus eleitores mais fiéis e ressalta seu desprezo por Jair Bolsonaro e pelos bolsonaristas. Essas duas canoas navegam por correntes opostas.

Lula tem o diagnóstico correto da necessidade de falar para públicos diferentes e muitas vezes divergentes, mas o seu discurso de quinta-feira, dia 14, mostra a distância entre intenção e prática. Falando na abertura da 4ª Conferência Nacional da Juventude do Partido dos Trabalhadores, em Brasília, Lula começou com uma provocação:

“Vocês não sabem como eu estou feliz hoje. Pela primeira vez na história deste País, conseguimos colocar na Suprema Corte um ministro comunista, um companheiro da qualidade do Flávio Dino”, afirmou, se referindo ao ex-filiado do PCdoB que na noite anterior havia sido aprovado pelo Senado para ser o novo ministro do STF. Os jovens petistas gritaram o nome de Dino e trataram a nomeação como um compromisso do presidente com a esquerda, o grupamento que mais cobra gestos do governo. O gracejo deu força para o bolsonarismo nas redes sociais.

A pesquisa sobre comunismo foi a quarta principal tendência de busca do Google na sexta-feira, mostrou o jornal digital Poder360. Mais de 20.000 pesquisas foram feitas sobre o assunto, num crescimento de mais de 3.400% em 24 horas. Depois da fala de Lula, “comunismo” foi o principal assunto buscado em política, atrás só de procuras sobre futebol. Na plataforma X (ex-twitter), foram 55 mil posts a respeito, a imensa maioria negativos ao presidente e ao novo ministro do STF.

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A declaração de Lula é comparável em termos de polarização com a forma com que Jair Bolsonaro em 2021 indicou o advogado André Mendonça ao STF por ser “terrivelmente evangélico”.

Derrotada no Senado ao tentar impedir a indicação de Dino, o bolsonarismo transformou a frase de Lula na confirmação de tudo o que havia previsto um terceiro mandato de Lula dominado pelo viés esquerdista. “A gente vê agora a alegria dele, diz que está feliz que colocou um comunista. Me lembro dos discursos do Fidel Castro. Os caras sempre lutam pelo poder. Roubar a liberdade é a mais importante cartada deste povo”, reagiu Bolsonaro, na solenidade em que recebeu o título de cidadão honorário do Paraná, em Curitiba.

Os bolsonaristas distribuíram a fala de Lula para milhões de eleitores no fim de semana, gerando o pior momento do governo Lula nas redes sociais em meses. Assessores de Lula tentaram minimizar a fala como um “gracejo”, reforçando a dificuldade do entorno do presidente em reconhecer os erros do chefe.

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Duas pesquisas divulgadas na semana passada mostraram a impopularidade da indicação de Dino ao STF. No Real Time Big Data, 55% dos entrevistados se disseram contrários à indicação. No IPF, do site Jota, 52%. Para 64%, a origem comunista do mais novo ministro é o principal motivo para a rejeição.

O contraditório é que no restante do discurso aos jovens petistas, Lula apontou justamente para a canoa da conciliação. “Nós temos que conversar com pessoas que vocês não gostam, com pessoas que vocês ficam até com ojeriza quando veem o Lula na TV conversando com essas pessoas”, pediu aos jovens. Ficou mais difícil.

A fala do presidente surge na semana que chegou à TV e à internet a campanha do governo federal para incentivar a reconciliação de relações rompidas pela política. A trilha musical entoa mensagens como “um Brasil e um só povo” e “somos filhos de uma mãe gentil, de um Brasil que luta e não se curva”, com variações musicais que incluem o gospel, a música identificada com os evangélicos.

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Vários dos diálogos incluem expressões como “graças a Deus” e “consagrado” em cenas criadas em torno de políticas públicas, como o PAC e o Minha Casa Minha Vida. Há um tom natalino nos roteiros que valorizam família e sentimentos de solidariedade. A campanha surge em um clima hostil. Pesquisa Genial/Quaest de outubro mostrou que 54% dos eleitores conheciam quem rompeu relações por divergência política.

Num dos capítulos do livro “Biografia do Abismo”, o cientista político Felipe Nunes e eu classificamos oito tipo de eleitores de Lula e Bolsonaro, a partir de uma série de pesquisas com grupos focais. Consideramos que seis deles estão calcificados junto aos seus candidatos. Os petistas, progressistas e eleitores das classes D e E estão com Lula. Os fascistas, o agro e os conservadores cristãos estão com Bolsonaro. Sobram dois quinhoes em disputa, que chamamos de “empreendedores” e os “liberais sociais”. Os primeiros são pequenos empresários, a maioria do Sul e Sudeste, que tem como maior bandeira a redução de impostos e que se tornaram visceralmente antipetistas a partir da recessão no segundo governo Dilma e o escândalo da Lava Jato. O segundo é a parcela da sociedade rica e cosmopolita, que sonhou com uma terceira via, e que tem na democracia um valor inegociável. Juntos esses dois fragmentos somam apenas 6% do eleitorado. Num país de paixões calcificadas, eles decidem quem vence.

Lula está tão ciente desse quadro que no encontro de candidatos do PT às eleições municipais, no dia 8, afirmou que o partido precisa se questionar por que acha que tem “toda a verdade do planeta”, mas só elege 70 dos 513 deputados federais. “Será que nós estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Será que nós estamos tendo competência para convencer o povo das nossas verdades? É preciso que a gente tente encontrar resposta dentro de nós. Será que nós estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Será que nós estamos tendo competência para convencer o povo das nossas verdades?”, perguntou.

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Logo depois, ele citou três segmentos que votam majoritariamente contra o PT, os evangélicos, o agro e os mais ricos.

“Como é que a gente vai chegar nos evangélicos? Que é gente trabalhadora, gente de bem, gente que muitas vezes agradece a igreja de ter tirado o marido da cachaça para cuidar da família”

“O agronegócio, que votou majoritariamente contra nós, nunca recebeu a quantidade de dinheiro que recebeu neste plano safra que fizemos agora”.

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“Precisamos aprender a construir um discurso para conversar com essa gente. Como a gente vai convencer pequenos e médios empresários a votar em nós? Quem vota no PT são pessoas de até 2 salários mínimos. Um metalúrgico de São Bernardo que ganha 8 mil reais já não quer mais votar na gente. Pega pesquisa. Quem ganha mais de 5 salários mínimos já tem dificuldade de votar na gente. É porque essa pessoa ficou ruim? Não, é porque, possivelmente, ela elevou um milímetro o padrão de vida, de aprendizado, e nós não aprendemos a conversar com ela”.

Com Bolsonaro impedido de ser candidato em 2026 e a direita sem um substituto, Lula tenta uma estratégia arriscada: diferenciar o ex-presidente dos seus eleitores. Por um lado, incentiva o seu governo e seu partido a encontrar pontos de diálogo com grupos antilulistas. Do outro, centra na pessoa de Bolsonaro tudo que acreditar estar errado no país.

Este morde-e-assopra de Lula é intencional e abre o tom das eleições municipais. “Acho que nessa eleição vai acontecer um fenômeno, vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições no município”, disse Lula na semana passada. Na mesma linha, no sábado, em um lançamento do programa Minha Casa Minha Vida, que na prática serviu de pré-campanha a favor da candidatura de Guilherme Boulos a prefeito de São Paulo. Lula chamou Bolsonaro de “desgraça” que teria destruído o que seus governos anteriores haviam construído.

É natural que a eleição municipal reavive a polarização entre lulistas e bolsonaristas. Os dois políticos farão questão de reprisar seu combate em cidades como São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Mas governar impõe mais do que ganhar eleições. O acirramento das disputas políticas faz mal à sociedade, induz à intolerância e a violência. Lula precisa escolher uma das canoas, a da reconciliação ou a do confronto.

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