Ao defender o aborto legal, Lula muda o tom da campanha
Declaração de petista amplia o fosso de diferenças com Bolsonaro
A sucessão presidencial mudou de patamar desde ontem (terça, 05/04) com a declaração do ex-presidente Lula da Silva a favor de que as brasileiras deveriam ter a opção de fazer aborto por ser “uma questão de saúde pública”. “Aqui no Brasil, as mulheres pobres morrem tentando fazer aborto, porque é proibido, o aborto é ilegal. A madame pode ir fazer um aborto em Paris, escolher ir para Berlim. Na verdade, [o aborto] deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito, e não vergonha”, declarou o candidato.
“A sociedade evoluiu muito, os costumes evoluíram muito e precisamos ter coragem para fazer esse debate”, disse o candidato, durante debate virtual dos braços acadêmicos do PT, a Fundação Perseu Abramo, e do Partido Social Democrata alemão, a Fundação Friedrich Ebert. A posição de Lula não havia sido combinada com sua equipe de comunicação e não foi compartilhada nas redes sociais com outras frases do presidente sobre economia e política externa.
Nas últimas horas, o vídeo com as declarações de Lula foi compartilhado dezenas de milhares de vezes nas correntes bolsonaristas de WhastApp. Embora tenha dito que o aborto era “uma questão da mulher” nos anos 1990, Bolsonaro se tornou um ferrenho opositor. No seu governo, a ministra da Mulher, Damares Alves, usou estrutura oficial para tentar impedir o aborto legal de uma garota de 10 anos que engravidou após estupro. Na campanha de 2018, ele disse que vetaria a possibilidade do aborto legal mesmo se o Congresso aprovasse a medida.
Aborto é um tema complicado para a esquerda. É difícil achar um político progressista que não defenda a mudança na legislação, mas nenhum diz isso publicamente por medo da reação do eleitorado conservador. Para evitar polêmicas, os candidatos sempre são aconselhados a dizer “este é um assunto do Congresso”. A declaração de Lula muda esse cenário e abre um novo fosso entre a sua campanha e a de Bolsonaro.
Em 2010, o então candidato José Serra acusou Dilma Rousseff de planejar flexibilizar as possibilidades legais de aborto caso fosse eleita — o que não aconteceu. A acusação teve um efeito nas pesquisas no final do primeiro turno das eleições e obrigou a então candidata a peregrinar por igrejas e buscar apoio em líderes religiosos. O Brasil tem uma legislação reconhecidamente conservadora sobre o tema. Legalmente, o aborto só é possível se a gravidez trouxer risco à vida da gestante, se ela for resultante de violência sexual e em caso de anencefalia fetal.
Em janeiro, pesquisa DataPoder mostrou que 55% dos brasileiros são contra a liberação do aborto, índice similar a levantamento do ano anterior, quando 58% eram contrários. A parcela dos que se dizem favoráveis à legalização da prática diminuiu 7 pontos percentuais em um ano –de 31% para 24%. A pesquisa mostrou uma evidente diferença por gênero: 61% dos homens se disseram contra a liberação do aborto, enquanto entre as mulheres esse índice foi de 51%. Entre os eleitores que aprovam o governo Bolsonaro, 77% são contra mudar a legislação.