Dois meses depois de deixar o Ministério da Justiça, o ex-juiz Sergio Moro avança na estratégia de reconstruir a sua imagem, abalada pelos meses de governo Bolsonaro. Em artigos e entrevistas, Moro assume agora o papel da vítima usada pelo presidente com o propósito exclusivo de lustrar o ministério, sem a real intenção de levar adiante o combate à corrupção. “Comecei a sentir que minha presença (no governo) era um álibi. No sentido de dizer ‘olha, somos contra a corrupção porque o Moro está aqui’”, disse o ex-juiz em live nesta semana para investidores da XP.
Símbolo da Operação Lava Jato, Moro deixou o governo depois de 16 meses menor que entrou. A sua proposta de reforma da legislação penal foi aprovada com várias mudanças pelo Congresso, incluindo a exclusão da prisão em segunda instância e a possibilidade de acordos entre promotores e réus antes do processo (o plea bargain). A PF foi maneteada e as revelações do site The Intercept Brasil mostraram que sua participação ativa na coordenação das ações da Força Tarefa de Curitiba. Agora, para recomeçar, Moro precisa recontar a sua história.
ASSINE VEJA
Clique e AssinePor isso, em todas aparições públicas Moro inicia mostrando indignação pela interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, como o exemplo limite da falta de compromisso do presidente com a moralidade, incluindo a prisão posterior do faz-tudo da família, Fabrício Queiroz. No processo presidido pelo ministro do STF Celso de Mello, a defesa de Moro relacionou as tentativas de intervenção na PF com as investigações sobre a “rachadinha”. A defesa incorporou no processo a informação de que Bolsonaro manifestou sua primeira vontade em substituir o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro em agosto de 2019, mesmo mês em que a defesa de Queiroz solicitou vistas do inquérito sigiloso sobre as “rachadinhas”.
Na conversa para investidores, Moro foi irônico. “Não me sinto confortável em comentar o caso concreto (de Queiroz)… mas não passamos por uma Lava-Jato, com todas as dores que isso gerou de impactos políticos e econômicos – embora positivos a meu ver –, para varrer tudo debaixo do tapete”, disse o ex-juiz.
Moro defendeu ainda “retomarmos o espírito de reformas para superarmos os desafios econômicos”, o que soou como música para os investidores. Ele definiu o governo de Jair Bolsonaro como “não necessariamente fascista”, mas “populista, de direita e de viés autoritário”, o que, segundo o ex-juiz, seria “obstáculo” para investimentos externos.
Essa reconstrução da imagem de Moro ocorre simultaneamente a dois fenômenos. O mais visível é o aumento sistemático na rejeição ao governo Bolsonaro, hoje acima de 50%. O segundo é a falta de uma opção eleitoralmente forte fora do eixo Bolsonaro-PT. Embora vários postulantes procurem ocupar essa terceira via (Ciro Gomes, Luciano Huck, João Dória, para citar alguns), o espaço segue aberto.
Pesquisa da agência Quaest (https://veja.abril.com.br/politica/sergio-moro-desponta-como-principal-adversario-de-bolsonaro-em-2022/) mostra que Moro é hoje o principal adversário de Bolsonaro na corrida presidencial. Ele teria 19% das intenções de voto, ante 22% do presidente. Em terceiro, ficaria Fernando Haddad (13%), seguido de Ciro Gomes com 12%, Luciano Huck com 5%, Guilherme Boulos com 3% e João Doria com 2%. Lógico que é muito cedo para se falar 2022, mas para chegar lá é preciso abrir um caminho. Moro está se posicionando.