A nova guerra de Alexandre
Livro de ministro do STF defende que eleições de 2026 tenham proibição de IA em propaganda negativa e regras mais rígidas para plataformas de redes sociais

Lançado no fim de 2024, e ainda pouco lido, o livro “Democracia e Redes Sociais” do ministro do STF Alexandre de Moraes é um mapa para antecipar o endurecimento nas regras judiciais das próximas eleições, especialmente no uso da inteligência artificial e na responsabilização das plataformas de redes sociais. Tomando por premissa o que ele considera uma corresponsabilidade das plataformas na articulação da tentativa do golpe de 2022/23, Moraes defende a obrigação das empresas de tirar o ar propaganda antidemocrática mesmo antes de ações do Judiciário, de fiscalizar o uso político de inteligência artificial e de abrir para as autoridades a metodologia usada pelos seus algoritmos.
As teses de Moraes partem da resolução que normatizou as eleições municipais de 2024, das leis da União Europeia dos Serviços Digitais (DAS na sigla em inglês) e dos Mercados Digitais (DMA) e nas bases do projeto do senador Alessandro Vieira, aprovado no Senado e parado na Câmara. Mas o texto é genérico o suficiente para permitir à Justiça Eleitoral uma latitude nas suas decisões. Se forem adotadas, certamente haverá um choque com Meta, X e Google.
A seguir, um resumo das teses de Moraes:
1. Provedores de redes sociais devem ser legalmente equiparados aos demais meios de comunicação, isto é, têm a garantia constitucional da liberdade de expressão e as responsabilidades sobre a propagação de desinformação, notícias fraudulentas e discursos de ódio.
2. Os provedores devem ser solidariamente responsáveis por conteúdos direcionados por algoritmos impulsionados pagos, contas falsas, redes de distribuição artificial e pela manutenção de conteúdos de contas com conteúdo de ódio e propaganda antidemocrática.
3. Os provedores de grande dimensão são obrigados a identificar ‘riscos sistêmicos’ à democracia decorrentes da utilização de seus sistemas de algoritmos e inteligência artificial.
4. A legislação deve adotar o “dever da transparência algorítmica” para estabelecer critérios para a inspeção do código-fonte do machine learning e a indicação da metodologia usada para o direcionamento de decisões.
5. A nova legislação deve obrigar o fornecimento de informações sobre o uso de inteligência artificial na manipulação de áudios e vídeos. “A integridade e a manutenção da democracia dependerão igualmente da regulamentação da utilização da inteligência artificial durante o processo eleitoral”.
5.1 A hipótese de uso da IA para propaganda negativa deve ser proibida. “É tão grave que a sanção deve ser proporcional, acarretando cassação do registro do candidato ou de seu mandato, caso tenha sido eleito, bem como inelegibilidade por 8 anos”, escreve Moraes.
5.2 No uso de IA para propaganda positiva, o conteúdo deve ser obrigatoriamente acompanhado de rotulagem explícita. Os provedores devem exigir e fiscalizar o cumprimento da rotulagem e, “caso não realizem a remoção imediata dos conteúdos com IA que descumpram a lei, serão responsabilizados civil e administrativamente, assim como seus representantes legais”.6. O uso de redes de mensagens para disseminar desinformação, discurso de ódio e antidemocráticas (inclusive ataques ao sistema de votação e a lisura do pleito) deve gerar inelegibilidade e responsabilidade civil e penal.
7. A nova legislação deve coibir a divulgação de discurso de ódio em relação a orientação sexual, religião e etnia. Os serviços de moderação das plataformas devem remover conteúdos “inclusive com dispensa de notificação dos usuários, em casos de dano de difícil reparação, violação de direitos das crianças, e conteúdo antidemocrático”.
8. Os provedores e serviços de mensagens deverão, sob pena de responsabilidade civil, remover imediatamente conteúdos (com dispensa de notificação de usuários, garantindo o direito de recurso) de conteúdos antidemocráticos, divulgação e compartilhamento de “fatos sabidamente inverídicos” que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive no processo de votação, apuração e totalização de votos, grave ameaça contra a integridade física de funcionários públicos para a abolição violenta do Estado Democrático de Direito. “A omissão ou negligência dos provedores das redes sociais e dos serviços de mensageria deverá acarretar sanções civis”.
“Não é crível especialmente após as eleições de 2022 e a tentativa golpista de 08/01/2023, que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada não tenham total consciência de sua instrumentalização por diversas milícias digitais — a serviço do novo populismo digital extremista — para divulgar, propagar e ampliar inúmeras práticas ilícitas nas redes sociais”, escreveu o ministro.
Moraes publicou o livro para ser o eixo de mudanças na legislação de redes sociais, tema que o lobby das Big Techs impede de andar no Congresso. Se o Legislativo se esconder do debate, a decisão será tomada pela Justiça Eleitoral em outubro, um ano antes das eleições e coincidindo com a condenação de Jair Bolsonaro e outros golpistas. O confronto do ministro com as plataformas é questão de tempo.