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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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A fé que move votos

Carta de Lula para evangélicos veio tarde demais

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 out 2022, 09h58

Foi um Lula da Silva constrangido que chegou à solenidade com pastores protestantes e evangélicos na quarta-feira, faltando onze dias para o segundo turno. A solenidade em um hotel em São Paulo era para a divulgação de uma carta aberta de Lula na qual ele se comprometia a garantir a liberdade religiosa, não enviar projeto para mudar a lei sobre aborto ou incluir o ensino de “ideologia de gênero” no currículo escolar — igual ao que ele fez durante os oito anos como presidente. O constrangimento de Lula com a carta era tamanho que ele sequer leu o texto, deixando a função para o ex-seminarista católico Gilberto Carvalho.

É impossível não comparar a cena com 22 de junho de 2002, quando também a contragosto Lula assinou a “Carta ao Povo Brasileiro”, se comprometendo se eleito a não dar calote nas dívidas externas e internas, cumprir o superávit fiscal e não enfrentar a crise econômica com “de modo voluntarista, mas por uma ampla negociação nacional”. À época, Lula saiu do discurso dizendo para o mesmo Gilberto Carvalho. “O Palocci (Antonio Palocci, futuro ministro da Fazenda), chegou no meu limite”.

Nesta semana, Lula se virou para Carvalho e disse: “Já assinei (a carta aos evangélicos). Agora, você lê”. O fato de que em 20 anos o candidato da esquerda assusta mais os fiéis pentecostais do que os traders da Faria Lima diz muito sobre o Brasil.

O texto assinado pelo PT contém uma impressão digital de que havia sido editada por um católico. O versículo indicado no discurso estava identificado como Tiago, 1,27, como na liturgia romana, ao invés de Tiago 1:27 das Bíblias protestantes.

A carta foi proposta em junho, quando Bolsonaro começou a subir no segmento evangélico. “Não preciso prometer não fazer o que eu nunca fiz”, repetia Lula, quando a sugestão chegava até ele. Numa leitura simplista, o ex-presidente, assim como vários assessores mais velhos, acreditava que os evangélicos mais pobres terminariam votando no PT com ou sem carta em função das questões econômicas.

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Estavam errados por vários motivos: a sensação econômica melhorou nos últimos meses, a identificação de grupo entre os evangélicos é muito forte e Lula foi alvo de um tsunami de ataques onde foi vinculado ao satanismo, aborto e fechamento de igrejas. O PT não fez um gesto para se aproximar do segmento até ser tarde demais.

Com apoio unânime das principais dominações pentecostais e neopentecostais, Bolsonaro teve no primeiro turno mais de 60% dos votos, o mesmo que teve no segundo turno de 2018. A tendência é que no dia 30 ele ultrapasse os 70%.

Foi só depois da vitória avassaladora do presidente no primeiro turno que Lula foi demovido. Mesmo assim, continua sem parecer entender por que ele precisava lançar a carta. “A verdade é a seguinte: ninguém estava preparado para enfrentar a monstruosidade dessa rede mentirosa”, disse Lula.

Na solenidade em São Paulo, falaram evangélicos com perfil mais à esquerda, como as ex-ministras Benedita da Silva e Marina Silva e a senadora eleita pelo Maranhão Eliziane Gama. Como notou a repórter Anna Virginia Balloussier, da Folha, não foram chamados a discursar nomes mais familiarizados às vertentes conservadoras, como o ex-bispo da Igreja Universal Romualdo Panceiro e Paulo Marcelo, do Gideões Missionários da Última Hora, congresso pentecostal que serviu de escola para pregadores como Marco Feliciano.

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Em entrevista à Folha, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, ironizou a carta. “O Lula se rendeu à pauta da família, isso está muito claro, com o rascunho improvisado da carta. E todo mundo sabe que quem vence a eleição é quem define o tema. O tema dessa campanha não é economia, são os temas propostos por Bolsonaro, defendidos por ele — o que significa uma evidência a mais que o presidente venceu o debate desta eleição. (…) Lula se preparou para uma guerra que não existiu. Se preparou para um cenário no qual o Brasil estava em ruínas, com a economia péssima e povo passando fome. E, como o Brasil é uma locomotiva diante do mundo em termos de aumento de emprego e queda na inflação, sobrou para Lula vir lutar no campo adversário. É por isso que ele vai perder.”

No ótimo livro “A religião distrai os pobres? — O voto econômico de joelhos para a moral e os bons costumes”, o cientista político Victor Araújo analisa os desafios da esquerda em se conectar com os evangélicos:

“Os partidos de esquerda, por sua vez, têm como primeira opção tentar enfraquecer a pauta moral e recolocar no centro do debate a dimensão de renda. Neste caso, existe o risco de perder apoio da parcela mais conservadora do eleitorado que não segue a lógica econômica do voto. Uma segunda opção é tentar se distanciar de pautas mais progressistas que possam minar o apoio eleitoral dos pobres conservadores, mas surge o obstáculo de perder apoio entre os eleitores de renda média com maior escolaridade (bem como de parte da militância organizada e representantes de maiorias minorizadas, como negros e mulheres, mais afetadas por uma agenda conservadora moralizante). Uma terceira opção é acirrar a polarização nas eleições, explorando a identidade religiosa do eleitorado. Por exemplo, os partidos de esquerda podem mobilizar parte do eleitorado religioso em seu favor por meio de um discurso identitário-religioso. Mas o sucesso dessa estratégia depende do crescimento de longo prazo dos grupos religiosos que rivalizam nas eleições. No caso brasileiro, mobilizar o eleitorado católico contra o eleitorado evangélico não seria uma estratégia inteligente”.

Os evangélicos formam o coração do bolsonarismo. Em 2018, Bolsonaro venceu a eleição contra Haddad por cerca de 10,7 milhões de votos, quase o mesmo tanto de votos a mais da quantidade que se estima que teve entre os evangélicos. Faltando dias para o segundo turno, é impossível Lula reequilibrar o jogo.

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