A fé que move o Brasil
Livro-reportagem de Anna Virgínia Balloussier mostra os evangélicos por trás dos estereótipos
Os evangélicos são o maior fenômeno religioso, demográfico, político, cultural e econômico da história recente do Brasil. Juntos, os evangélicos podem decidir o resultado das eleições e, eventualmente, até moldar como a sociedade brasileira vai se educar, vestir, reproduzir e construir seu futuro. Só que essa imagem dos crentes brasileiros como um segmento uniforme e unidirecional é um mito. O livro Púlpito – Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos da jornalista Anna Virgínia Balloussier (editora Todavia, R$ 69,90 em papel e R$ 31,43 o ebook) é uma longa reportagem mostrando que, por trás do fenômeno religioso, existem brasileiras e brasileiros com contradições, desejos e crenças iguais a todos os demais.
Os crentes de Ballussier são traficantes com Luiz, estrelas musicais como Ana Paula Valadão, empresários como Yvelise, vendedores de produtos eróticos como Mônica ou lésbicas como a pastora Priscila. Ao não apresentar o crescimento da influência evangélica no País através apenas de números e teses acadêmicas, Balloussier mostra um Brasil que parte do Brasil não consegue (ou não quer) enxergar.
Os evangélicos de Ballousier não cabem nas caixinhas de quem imagina um rebanho ordeiro de seguidores manipulados por líderes gananciosos. A fé dos personagens de Púlpito é, ao mesmo tempo, uma graça divina e uma escolha consciente. Não é uma tutela, como supõe parte da elite intelectual.
Com entrevistas dos direitistas Silas Malafaia e Sóstenes Cavalcanti à petista Benedita da Silva, a autora reconta a história da reorganização conservadora no Congresso. O livro mostra como a transformação de um grupo que até os anos 1980 mantinha distância da política para a bancada mais influente do Congresso foi um processo paralelo ao renascimento do conservadorismo cristão nos EUA, a partir da eleição de Ronald Reagan em 1980.
A influência norte-americana pode ser notada desde os métodos do proselitismo brasileiro pela TV até a propagação da Teoria da Prosperidade, a ideia de que a paraíso pode, sim, começar na terra, e a Teoria do Domínio, a estratégia de impor as noções morais das denominações cristãs para toda a sociedade. São óbvias as referências desta última teoria nos discursos recentes da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O melhor exemplo da pluralidade crente está na poderosa Igreja Batista Lagoinha. Fundada pelo pastor Marcio Valadão, a igreja era conservadora e plural a ponto de comportar uma pastora assumidamente lésbica. Com a aposentadoria do patriarca, o filho André Valadão transformou a denominação num dos vetores da guerra cultural contra a comunidade LGBQIA+ (ele já declarou que “se Deus pudesse matava tudo”). A pregação e o apoio carnal da família Valadão a Jair Bolsonaro reforçaram o estereótipo para parte da esquerda de que os evangélicos são uma onda uniforme de ódio e radicalismo.
Pode ser reconfortante achar que a intolerância está apenas nos outros. Só que, como mostra Balloussier, não existe um Brasil crente e outro não-crente. São todos parte das mesmas contradições.
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Púlpito será lançado nesta sexta-feira, dia 3, a partir das 19h, na livraria Janela, na Rua Maria Angélica, 171, em Ipanema, no Rio.