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Nova Temporada

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Este é um espaço dedicado às séries e minisséries produzidas para a televisão. Traz informações, comentários e curiosidades sobre produções de todas as épocas.

Review – ‘Transparent’, 1ª Temporada

Concorrente do Netflix, o Amazon investe na produção de séries originais que são oferecidas para quem mora ou visita os países onde o site de streaming opera. Apenas três séries voltadas para o público adulto foram disponibilizadas até o momento: Alpha House, Betas e Transparent. Destas, apenas as duas primeiras já chegaram ao Brasil, através […]

Por Fernanda Furquim Atualizado em 31 jul 2020, 02h43 - Publicado em 1 nov 2014, 17h02

S1T-Cartaz

Concorrente do Netflix, o Amazon investe na produção de séries originais que são oferecidas para quem mora ou visita os países onde o site de streaming opera. Apenas três séries voltadas para o público adulto foram disponibilizadas até o momento: Alpha House, Betas e Transparent. Destas, apenas as duas primeiras já chegaram ao Brasil, através da Clarovideo, que firmou um acordo com o Amazon.

Pela política do Amazon, o público escolhe quais projetos serão produzidos. Para tanto, disponibiliza o piloto para avaliação. Aqueles que recebem o maior número de votos do público têm sua primeira temporada aprovada. Transparent faz parte da segunda leva de produções originais do Amazon. Até agora, esta foi a única série que conseguiu conquistar uma ampla aceitação crítica, o que poderá levar o Amazon a entrar no principal circuito de premiações da TV americana, seja através do Emmy, Golden Globe ou prêmios oferecidos pela crítica.

A série trata de um tema ainda tabu na TV americana, a transexualidade, ou seja, pessoas que desejam viver como sendo do sexo oposto. Este tipo de personagem não é uma novidade nas séries de TV. Ele já vem sendo apresentado aqui e ali como convidado em episódios de diversas produções desde (pelo menos) a década de 1970.

Fazendo um rápido levantamento só das produções americanas, talvez o personagem que as pessoas mais se lembrem seja Dennis/Denise, interpretado por David Duchovny em Twin Peaks. Mas ele era um homem que gostava de se vestir como mulher. Dentro do tema proposto por Transparent temos Robert Reed (The Brady Bunch), que foi indicado ao Emmy em 1976 por interpretar um médico que deseja mudar de sexo em um episódio da ótima Medical Center. No mesmo ano em que o episódio foi exibido, o gênero comédia ofereceu um personagem em Tudo em Família que também tratou deste tema. Beverly La Salle era uma travesti que apareceu na série em três episódios, sendo que no último ela é atacada por um grupo de rapazes na rua, que a espancou até a morte. Ela era interpretada por Lori Shannon, nascida Don Seymour McLean (já falecido), uma drag queen na vida real.

Em 1977, a sitcom All That Glitters introduziu uma personagem que é considerada a primeira transexual do elenco fixo de uma série. Ela era Linda Murkland, uma modelo interpretada por Linda Gray (Dallas). No elenco de coadjuvantes também temos Erica (Helen Shaver), nascida Steve, personagem da sitcom The Education of Max Bickford, de 2001; Alexis Meade (Rebecca Romijn), nascida Alexander Spencer Meade, em Ugly Betty, remake de novela colombiana que estreou em 2006; e ainda Moira/Max (Daniela Sea), uma transexual que nasceu mulher e mudou para homem, mantendo uma orientação bissexual, em The L Word. Na lista de séries que contou com travestis como personagens coadjuvantes também entram Ally McBeal, Dirty Sexy Money (considerada a primeira série a ter um personagem interpretado por um transexual na vida real), It’s Always Sunny in Philadelphia, Glee e Orange is the New Black, entre outras. Também podemos colocar na lista a minissérie Tales of the City, que é uma coprodução americana e britânica.

Em 2008, Ryan Murphy tentou produzir a primeira série a tratar do tema, com Pretty/Handsome, projeto do FX, que teve um piloto produzido para avaliação. No mesmo ano, o canal Fox desenvolveu um projeto que adaptava a novela argentina Lalola para a TV americana, mas ele também foi descartado.

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S1T-2

Sarah e Maura

Transparent foi criada por Jill Soloway, filha de um psiquiatra que há cerca de três anos decidiu assumir ser um travesti. Segundo ela em entrevistas, a revelação não lhe causou choque, mas a compreensão do ambiente familiar em que cresceu, o qual tinha gerado nela um desconforto em torno da visão tradicional sobre o que é masculino e o que é feminino. Embora não seja uma produção autobiográfica, a série é, visivelmente, inspirada nesta descoberta visto que, ao invés da primeira temporada focar a história no protagonista, Mort/Maura, interpretado por Jeffrey Tambor (Arrestd Development), ela mantém a atenção na vida dos filhos.

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Ainda segundo Jill em entrevistas, o fato de ser filha de um travesti não lhe deu a ideia de que tinha alguma autoridade para discutir o tema. Por isso, se cercou de diversos representantes desta comunidade para que pudesse ter uma referência sobre como é a vida de um travesti e seus obstáculos sociais e familiares.

Na história, temos Mort/Maura, seus três filhos e a ex-esposa vivendo em dois períodos de tempo, o passado e o presente. Ao longo da temporada, vemos a forma como os personagens lutam para entrar em contato com sua verdadeira identidade, a qual não representa, necessariamente, aquela que lhe é determinada pela sociedade quando nasce. Em um olhar mais amplo, a série retrata a luta de pessoas tentando viver em uma sociedade que cobra, culpa e penaliza uns aos outros por seus problemas. Representada pela família de Mort, a sociedade revela como as decisões de um indivíduo refletem na vida de cada um, seja de forma positiva ou negativa.

Cada personagem é retratado como uma pessoa individualista, que constantemente agride as outras, muitas vezes sem perceber. Seus problemas pessoais estão sempre acima de seus relacionamentos, tanto os familiares quanto os sociais. O resultado é uma família disfuncional que não aprendeu a exercer a troca de afeto e não consegue lidar com seus problemas e os do próximo.

Neste primeiro momento, vemos que Jill protegeu o personagem Mort/Maura, poupando-o de expo-lo aos preconceitos de estranhos. Desta forma, o conflitos de Mort, tanto no passado quanto no presente, são passados para o telespectador como algo interiorizado, resultado dos seus receios de se assumir ao mundo que ele (e o público) sabe ser preconceituoso.

Mantendo Maura escondida e segura, Mort chega à terceira idade infeliz e com um forte sentimento de ter falhado com ele mesmo. Vivendo sozinho em uma casa afastada, isolado do mundo, onde pode ser quem ele quiser, Mort toma a decisão de enfrentar o mundo, assumindo ser uma mulher que está presa no corpo de um homem. Seu processo de transformação tem início quando ele decide vender a casa para morar na cidade, representando a ideia de que Mort está deixando seu isolamento no mundo que ele criou para si para viver como Maura no mundo criado pela sociedade, onde ele será exposto e julgado.

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(E-D) Shelly e Ali

(E-D) Shelly e Ali

No entanto, neste processo, a autora mantém o personagem seguro, pois em nenhum momento ele é de fato exposto às agressividades do mundo, visto que está sempre cercado de pessoas que o ajudam a passar por cada etapa (seja no passado ou no presente). Frequentando as reuniões de uma organização voltada a ajudar pessoas que estão na mesma condição que ele, Mort se cerca e se protege, contando com a ajuda delas para caminhar com mais segurança.

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Uma única vez vemos Maura ser agredida pelo preconceito de estranhos o qual, até então, era implícito. Passeando em um shopping com suas duas filhas, Sarah (Amy Landecker) e Ali (Gaby Hoffman), Maura decide ir ao banheiro. Sarah, a filha mais velha, a convence a usar o banheiro feminino, onde a mãe de duas adolescentes a ataca verbalmente, acusando-a de ser pervertida. Mas mesmo nesta cena Maura está protegida pela filha mais velha, que a defende posicionando-se, inclusive, entre a agressora e seu pai. Atrás de Maura estão as demais mulheres que desejam usar o banheiro, mas elas não se manifestam, ficam apenas observando. Portando não representam uma ameaça à Maura.

O individualismo de Mort/Maura é retratado ao longo de toda a temporada. No passado, período em que Mort ainda está entrando em contato com sua realidade e se assumindo mulher, vemos que ele dá pouca atenção aos filhos ou à esposa. Embora não os ignore, ele também não é afetuoso com eles, nem se dedica a acompanhar de perto seu bem estar. Dominado pelo medo e por suas dúvidas, Mort luta para se assumir, sem compreender que seu comportamento está afetando sua família, o que terá consequências no futuro. No presente, Mort já assumiu ser Maura mas, ainda dominado pelo medo, tem receio em revelar sua verdadeira identidade aos filhos. No entanto, este medo não parece estar relacionado à forma como eles serão capazes de assimilar esta transformação, mas à forma como eles irão tratá-lo a partir de então.

A família de Mort representa neste primeiro momento a sociedade que ele precisa enfrentar. Eles são a segunda etapa da independência de Maura (a primeira foi convencer o próprio Mort a assumi-la). A filha mais velha, Sarah, é a primeira a tomar conhecimento de sua existência. Isto ocorre simultaneamente com as mudanças pelas quais ela passa com sua própria sexualidade. Casada e com filhos, Sarah inicia uma relação com Tammy (Melora Hardin, que substituiu Gillian Vigman, intérprete da personagem no piloto). Em paralelo ao processo pelo qual Mort passa, Sarah lida com sua bissexualidade. Desta forma, é ela quem compreende com mais facilidade a nova identidade do pai.

O filho do meio, Josh (Jay Duplass), é um conquistador que ainda não encontrou o amor. Tendo iniciado sua vida sexual com a babá, ele vem pulando de cama em cama na tentativa de encontrar alguém com quem possa criar laços afetivos e constituir família. Nesta busca, ele encontra Rachel (Kathryn Hahn), rabina de sua igreja. No entanto, sua postura autodestrutiva e individualista dificulta a relação tornando-a perniciosa para Rachel. Josh é quem promove uma das melhores cenas da temporada quando, ao final, ele introduz um novo membro da família, que está completa pela primeira vez. Neste momento, sem cobranças e quase sem culpas.

A filha mais nova é a que tem mais dificuldades emocionais de lidar tanto com a forma como foi criada quanto com a revelação do pai, embora se apresente como uma pessoa aberta para as mudanças da vida. Tentando parecer forte e independente, ela é totalmente dependente de Mort, tanto financeira quanto emocionalmente. Tal qual o irmão, Ali também busca por um relacionamento afetivo, embora não admita isso. Envolvendo-se com diversas pessoas, ela mergulha em suas fantasias sexuais, acreditando que com isso ela está fazendo valer sua liberdade. Mas Ali está fortemente atrelada ao pai ao ponto de, após ele revelar sua verdadeira identidade, buscar compreender na prática o universo em que Maura vive. Com isso, ela tenta manter um relacionamento com uma mulher que vive como homem e, na sua busca pela compreensão, chega a se vestir também como homem.

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Ao se revelar para os filhos, Mort/Maura espera que eles participem mais ativamente de sua nova vida. Mas estes deixam bem claro que a situação entre Mort e seus filhos se inverteu. No passado, quando eles precisavam do pai, tanto da presença física quanto emocional, Mort se afastou deles, mergulhando em seus conflitos pessoais, buscando sua verdadeira identidade. Agora que ele já definiu quem ele realmente é, Mort precisa lidar com o fato de que seus filhos estão passando por esta crise de identidade.

(E-D)

(E-D) Josh, Shelly, Sarah e Maura

Embora entenda os conflitos dos filhos, ele se sente abandonado e desamparado, tal como eles se sentiram quando eram crianças. Isto o leva a buscar apoio emocional na ex-esposa, Shelly (Judith Light).

Após o divórcio, Shelly se casou com Ed (Lawrence Pressman), com quem parece não ter conseguido criar uma relação afetiva profunda. Com a saúde abalada, Ed depende totalmente de Shelly. Mas sem a presença efetiva dos filhos em sua vida, ela está cansada de cuidar sozinha do marido. Shelly passou anos sem compreender as atitudes de Mort, mas acredita ter um casamento sólido. Após enfrentar o divórcio, ela se une a uma pessoa que a faz rir. O telespectador pouco sabe sobre Ed e seu passado. Ele parece ter sido uma pessoa comunicativa e sociável, bem como um marido dedicado à esposa e aos filhos, mas não dependente deles. Atualmente, ele vive em seu próprio mundo e não se deixa abalar por seus problemas de saúde ou pelo distanciamento emocional da família. No fim da vida, ele parece ter encontrado um diálogo interno com o mundo.

O reencontro de Mort/Maura e Shelly revela um casal mais maduro, que já passou por muitas dificuldades e, embora suas experiências de vida tenham deixado sequelas, eles encontraram uma forma de se relacionar. Ironicamente, parece que é Shelly quem melhor aceita Maura pelo que ela é. Neste primeiro momento, Shelly não trata Mort como o marido que se transformou em uma mulher e a deixou com três filhos pequenos para criar, mas como uma pessoa que compartilhou com ela uma boa parte de sua vida.

A morte de Ed dá início a uma nova fase na vida desta família. Não que eles sintam a perda do marido/padrasto, pois pela forma como eles reagem, a impressão que dá é a de que Ed teve pouco significado em suas vidas. Mas o velório promoveu o início do reencontro desta família, que precisa se unir para amadurecer emocionalmente.

Se Mort fosse uma pessoa mais jovem, a abordagem da série teria que ser outra visto que, para as novas gerações, a sexualidade é discutida de forma mais aberta, tendo diversos recursos sociais como apoio. Para Mort, que veio de uma época em que a homossexualidade era considerada um crime previsto por lei, sua transformação tem outro significado e peso.

Muito se fala dos jovens se tornando adultos (especialmente na TV americana), tendo que enfrentar os obstáculos que surgem para se colocar no mundo. Mas pouco se vê do adulto se tornando velho, tendo que enfrentar seu passado e os obstáculos que ele ajudou a construir ao longo da vida. Com uma abordagem por vezes delicada, outras vezes agressiva, a série retrata a vida de uma pessoa que passou anos omissa, mas nem por isso desistiu. Encontrou coragem para olhar para dentro de si e, sem culpar o mundo pelos obstáculos que enfrentou quando era jovem e sem demonstrar remorso pelas atitudes que tomou, decide viver.

Já renovada para sua segunda temporada, Transparent tem dez episódios produzidos para a primeira.

Estrelas4.5

Cliquem nas fotos para ampliar.

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