Opinião: ‘Sense8′, primeira temporada
No inicio de junho, o site de streaming Netflix disponibilizou a primeira temporada de Sense8, série criada por J. Michael Straczynski (Babylon 5) e os irmãos Lana e Andy Wachowskis (Matrix). A primeira temporada tem doze episódios produzidos. Tal como ocorre com a maioria das séries americanas, esta também foi planejada para ter uma trama desenvolvida […]


O elenco de personagns de ‘Sense8′. (E-D) Em pé: Sun, Will, Riley e Kala. Sentados: Capheus, Nomi, Wolfgang Lito. (Fotos: Murray Close/Netflix)
No inicio de junho, o site de streaming Netflix disponibilizou a primeira temporada de Sense8, série criada por J. Michael Straczynski (Babylon 5) e os irmãos Lana e Andy Wachowskis (Matrix). A primeira temporada tem doze episódios produzidos. Tal como ocorre com a maioria das séries americanas, esta também foi planejada para ter uma trama desenvolvida em cinco temporadas. No entanto, ainda não há informações sobre a renovação da série, que tem conseguido conquistar uma boa receptividade de público (e burburinho nas redes sociais), mas não de crítica.
A série parte da premissa, ou ideia inicial, de que originalmente somos todos sensitivos, mas cada pessoa pertenceria a um grupo. Na história, para que o indivíduo de um grupo consiga penetrar em outro, é necessário que ocorra um contato entre os membros através do olhar. Neste primeiro momento, a trama gira em torno de um grupo de oito pessoas espalhadas pelo mundo que se encontram conectadas através da mente e das emoções, sem a ajuda de algum tipo de equipamento ou realidades virtuais. Capazes de se ver e conversar como se estivessem no mesmo lugar, eles se ajudam com seus problemas pessoais e imediatos, chegando ao ponto de assumir o lugar um do outro quando necessário.
A ideia da série surgiu há cerca de sete anos quando, durante uma conversa, Lana, Andy e Straczynski começaram a debater a forma como a tecnologia une e divide as pessoas em grupos. Através da Internet, pessoas que vivem em diferentes partes do mundo conseguem se conectar e conversar sobre um determinado filme ou programa que estão assistindo naquele exato momento. E se esta conexão e troca de experiências pudessem ser feitas sem o auxílio da tecnologia?
Tendo conseguido estabelecer sua produção original, os canais a cabo (incluo o Netflix e outros sites de streaming nesta categoria por terem acesso pago), nacionais e internacionais, oferecem diversos títulos novos a cada ano. Para conseguir destacar seu produto dos demais, eles estabeleceram uma regra simples para aprovar uma nova produção. A série precisa oferecer algo totalmente diferente, mas não tão fora do comum que o público seja incapaz de se identificar com personagens e situações, ou identificá-las com facilidade.
Tentando se adaptar a esta regra, os produtores se viram diante de duas opções: oferecer séries com temas diferentes/inéditos encaixados em uma fórmula já testada e aprovada pelo público; ou séries com temas já conhecidos e aprovados, mas narrados de uma forma diferente/inédita. Sense8 se enquadra na primeira opção. Ela oferece um tema pouco explorado pelas séries de TV, mas acorrentado ao velho ‘feijão com arroz’ que de tanto requentar já perdeu o gosto. Em outras palavras, temos uma história sobre o próximo estágio da evolução humana, presa a uma trama na qual o grupo é perseguido por uma pessoa/organização poderosa que deseja capturá-los e controlá-los/matá-los.
Este tema já foi tratado na produção britânica da década de 1970, Seres do Amanhã/The Tomorrow People, que teve ao longo dos anos dois remakes mal sucedidos. Esta série acompanha a vida de jovens com poderes extra-sensoriais que, ao atingir uma determinada idade, começam a buscar mentalmente uma conexão com outros como eles. Enquanto isso, são perseguidos por grupos que desejam capturá-los.
Outras produções que poderiam ser citadas como precursoras do que é visto em Sense8 são: Contratempos/Quantum Leap, série da década de 1980 que apresenta um cientista viajando pelo tempo, tendo como referência a física quântica. Ele é capaz de saltar aleatoriamente no seu próprio período de tempo, assumindo o lugar de outras pessoas no passado (com quem cria uma empatia) e realizando as tarefas que elas deveriam ter feito em um determinado momento de suas vidas. Aqueles que as cercam enxergam a pessoa cuja identidade o cientista assumiu. Realizada a tarefa, ele salta novamente no tempo.
Temos também Sleepwalkers e VR5, duas produções da década de 1990. A primeira gira em torno de um grupo de cientistas que criou um aparelho capaz de levá-los a penetrar nos sonhos das pessoas com problemas psiquiátricos. Lá, os cientistas entram em contato com elas, ajudando-as a enfrentar seus temores. A segunda série acompanha a vida de uma hacker que conseguiu criar um mundo virtual no qual entra em contato com pessoas que estão em diferentes lugares. O que ela faz neste mundo reflete na vida real de cada um. Nesta mesma linha temos também Caprica e Harsh Realm. Vale também lembrar Seis Graus de Separação/Six Degrees, na qual seis pessoas se vêem conectadas por uma série de misteriosas coincidências.
Quando Sense8 tem início, vemos um casal de sensitivos enfrentando um perigo iminente provocado por Whispers (o cantor da Broadway Terrence Mann), o vilão da trama, outro como eles, que utiliza seu poder para o mal (ao menos, assim parece). Prestes a cometer suicídio, Angela (Daryl Hannah) libera em oito jovens espalhados pelo mundo, o mesmo poder que ela tem. A partir daí, a história passa a focar em cada um desses jovens e suas primeiras experiências com o mundo sensitivo, à lá Heroes, onde pessoas comuns descobrem ter super-poderes.
O tema, por si só, poderia gerar diversas possibilidades narrativas, que levariam os personagens a trajetórias completamente diferentes daquelas que estamos acostumados. Mas, por estar preso a uma regra, Sense8 é desperdiçada, ao menos nesta primeira temporada. Com personagens rasos, a série mergulha em situações clichês e questões sócio-culturais superficiais que apenas ‘marcam presença’.
Temos Capheus (o britânico Aml Ameen), um jovem africano fã de Jean-Claude Van Damme que, tentando conseguir remédio para a mãe HIV positiva, se envolve com as gangues de Nairóbi; em Seul, a economista Sun Bak (a sul-coreana Doona Bae), especialista em artes marciais, enfrenta o dilema de honrar uma promessa ou entregar à justiça membros da sua família responsáveis por desviar dinheiro da empresa que eles mantêm; no México, o ator de novelas e filmes de ação Lito (o espanhol Miguel Ángel Silvestre, de Velvet), tenta manter em segredo sua homossexualidade e seu relacionamento com outro homem; em São Francisco, a transexual e hacker Nomi (a também transexual Jamie Clayton), tenta manter um relacionamento com Amanita (a britânica Freema Agyeman, de Doctor Who), enquanto enfrenta a oposição de sua família que não aceita sua mudança de sexo; em Chicago, o policial Will Gorski (o americano Brian J. Smith, de Stargate Universe) tenta se livrar das lembranças de seu passado; em Mumbai, a farmacêutica hinduísta Kala (a indiana Tina Desai) está prestes a se casar com um homem que não ama; em Berlim, o assaltante Wolfgang (o alemão Max Riemelt) tenta se livrar da perseguição do crime organizado; e em Londres, a DJ Riley (a britânica Tuppence Middleton, de Spies of Warsaw), nascida na Islândia, tenta se livrar da dor da perda de seu marido e filho.
Restritos a estas situações (e à perseguição de Whispers), os personagens vão se encontrando conforme suas necessidades, ajudando um ao outro com suas respectivas habilidades. A série não aprofunda o estranhamento deles à situação em que se encontram, tampouco os leva a buscar ajuda (ou pesquisar sobre o assunto) para tentar compreender e lidar com as experiências que estão tendo. Passado o choque inicial, eles aceitam a situação como normal e continuam vivendo suas rotinas como se nada de anormal estivesse acontecendo. Talvez por sentirem o que o outro sente, eles se aceitam rapidamente como amigos e confidentes.
Sense8 faz um esforço enorme para mostrar ao telespectador a personalidade de cada um, revelando também seu passado, em cenas de flashbacks. O que acaba provocando um efeito negativo. Ao invés de enraizar os personagens tornando-os mais densos, eles se tornam superficiais existindo apenas através de suas falas, nas quais todos seus sentimentos, opiniões e história são explicados para o público. Os diálogos se tornam assim excessivos, por vezes apelativos e redundantes. Mal trabalhados, eles se apóiam em frases de efeito que parecem ter sido extraídas diretamente de livros de autoajuda, sem qualquer tentativa de elaborá-las ou torná-las menos óbvias.
Para piorar, considerando que esta é uma produção hollywoodiana (embora lide com culturas diversas), não poderiam faltar as cenas de ação com perseguições, tiroteios e lutas corporais sensacionalistas nas quais nossos heróis conseguem vencer o mal, sem sofrer um arranhão ou ferimentos graves, enquanto bandidos morrem ‘às pencas’ (exceto os líderes das gangues/organizaçõess, que precisam sobreviver para continuar a oferecer perigo para eles no futuro). Pela forma como ‘o perigo’ foi apresentado, ele não existe de fato, visto que os oito conseguem (com a ajuda uns dos outros) escapar facilmente das situações em que se envolvem, solucionando rapidamente seus problemas imediatos.
O que a série tem de positivo é o tema proposto, bem como a forma como os relacionamentos pessoais são apresentados. O que temos aqui são relacionamentos saudáveis entre casais, bem como entre pais e filhos (com exceção de Nomi e Wolfgang), típico das produções familiares dos anos de 1950 a 1970. Lito e Hernando (o mexicano Alfonso Herrera) conseguem estabelecer uma relação afetiva honesta, não se deixando influenciar por opiniões de terceiros (apesar do temor do ator em ter seu segredo descoberto). O mesmo vale para o relacionamento que existe entre Nomi e Amanita, que parecem totalmente dedicadas uma à outra, seja qual for a situação que estejam enfrentando. A relação que surge entre Riley e Will também se revela forte e saudável. Soma-se a eles o relacionamento entre pais e filhos que existe entre Capheus e a mãe, bem como entre Riley e o pai, e Kala e os pais. Até mesmo a relação entre Kala e o noivo que ela não ama é mais positiva que a de muitos casais retratados nos dramas atuais.
Pela forma como a primeira temporada encerra, os produtores têm a opção de definir qual o melhor caminho para continuar contando sua história. Eles poderão continuar presos às fórmulas e clichês já testados por outras produções e aprovados pelo público, ou poderão se libertar deles, agora que a situação que os personagens vivem já foi estabelecida. Meu voto é o de que se libertem. O tema proposto por Sense8 grita por isso.
Cliquem nas fotos para ampliar.
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