Forbrydelsen ou The Killing?
“Forbrydelsen” é uma série dinamarquesa que fez muito sucesso quando estreou em 2007. Exibida pela BBC britânica, tornou-se rapidamente um cult. Após vários prêmios e reconhecimento crítico, foi adaptada pelo canal americano AMC com o título de “The Killing”. Esta, por sua vez, estreou nos EUA em abril de 2011, com 13 episódios produzidos para […]

“Forbrydelsen” é uma série dinamarquesa que fez muito sucesso quando estreou em 2007. Exibida pela BBC britânica, tornou-se rapidamente um cult. Após vários prêmios e reconhecimento crítico, foi adaptada pelo canal americano AMC com o título de “The Killing”. Esta, por sua vez, estreou nos EUA em abril de 2011, com 13 episódios produzidos para a primeira temporada, a qual encerrou com um episódio que dividiu a opinião da crítica e do público.
A produção original conta com três temporadas, sendo que a terceira ainda não estreou em seu país de origem. Cada temporada narra uma trama diferente, em torno de Sarah Lund, uma investigadora da polícia de Copenhagem. A primeira temporada de “Forbrydelsen” tem 20 episódios, os quais narram a investigação em torno do assassinato de Nanna Birk Larsen, uma jovem estudante que é violentada e morta. Seu é corpo encontrado no bagageiro de um carro, o qual pertence à equipe do vereador Troels Hartmann, candidato a prefeito da cidade.
Na versão americana, a jovem chama-se Rose Larsen e o vereador Darren Richmond. Mas, embora elas contem a mesma história, as duas séries são diferentes, tanto no desenvolvimento de conteúdo, quanto de personagem. Até meados do episódio nove, as duas séries seguem o mesmo caminho, com algumas diferenças nas situações apresentadas e na composição dos personagens. Mas, a partir do nono episódio cada série segue seu próprio rumo.
“Forbrydelsen” foge do lugar comum das produções americanas, algo que foi adotado por “The Killing”. Ao invés das investigações se apoiarem no uso de uma parafernália eletrônica ou no dom especial, quase milagroso, de personagens que, embora não tenham super poderes posam como tal, a série introduz pessoas comuns que lidam com suas limitações e poucos recursos tecnológicos para solucionar um crime, aparentemente simples.
A proposta da série é trabalhar com a ideia de que as pessoas julgam e condenam ou absolvem terceiros com base nas aparências e em conclusões precipitadas. A partir dessa ideia, a história original se divide em quatro linhas: as investigações em torno do crime; a conspiração política, na qual temos um partido deturpando evidências para incriminar o oponente, enquanto este busca desesperadamente se eximir de qualquer responsabilidade, ao mesmo tempo em que esconde evidências para não se comprometer; a família da vítima, que tenta lidar com a perda e com o escrutínio da polícia; e a briga de egos e de poder dentro da própria chefatura de polícia, que prejudica as investigações.
Este texto não irá revelar quem é o assassino na história original, mas traz alguns spoilers que ainda podem, ou não, serem utilizados pela versão americana.
Na série original, Sarah é uma mulher de poucas palavras e amigos. Reservada, obcecada por seu trabalho, vive com a mãe e com seu filho, fruto de uma relação que não deu certo em função de sua dedicação à carreira. Sarah não se afasta propositalmente do convívio com as pessoas. Ela apenas não sabe como interagir socialmente. Quando a história começa, ela está noiva de Bengt, psicólogo criminalista que trabalha com a polícia. Os dois pretendem se casar e morar na Suécia.
Bengt foi na frente para acompanhar a obra que está sendo feita na nova casa. Enquanto isso, Sarah e seu filho (que nesta versão quase não aparece) continuam morando com a mãe. Esta, por sua vez, está feliz por ver que a filha está finalmente dedicando-se a construir uma vida pessoal.
Sarah e sua mãe mantém uma relação sociável. Constantemente cobrando da filha uma atenção maior ao neto e à sua vida pessoal, a mãe de Sarah não consegue manter um diálogo com a filha, que ignora ostensivamente o que ela fala. O mesmo tipo de relação Sarah tem com o filho, mas em papeis invertidos.
Holder e Sarah, versão americana
Então o corpo de Nanna é encontrado. O chefe de polícia pede a Sarah que auxilie Meyer, que irá substituí-la, no início das investigações, visto que ele ainda é um novato em sua função. Sua tarefa é determinar a linha de ação das investigações.
O encontro entre Sarah e Meyer é amigável. Ao contrário da versão americana, Sarah não o critica ou o vê de forma negativa. Ao longo das investigações eles têm diferentes pontos de vista ou forma de conduzir o trabalho, mas em nenhum momento ela o critica.
Sua obsessão por encontrar o assassino isola seu pensamento e seu comportamento de qualquer outra questão. É Meyer quem critica seu comportamento a um nível que o leva a comprometer as investigações. Em determinado momento, ele toma a decisão de registrar queixa contra ela junto a seu superior. No entanto, muda de ideia quando vê que ela está certa.
Nesta versão, Meyer é casado e tem três filhas. Dedicado à família, um dos pontos de discórdia entre ele e Sarah é o fato de que Meyer quer voltar para casa à noite para ficar com a esposa e as filhas, mas ela o faz acompanhá-lo a algum lugar para seguir alguma pista. Na série americana, Holder é solteiro, tem uma irmã e um sobrinho. Seu trabalho o levou ao vício das drogas, embora já esteja se recuperando com a ajuda de um grupo de apoio.
Troels Hartmann veio de uma família de políticos. Vereador, concorre ao cargo de prefeito da cidade enfrentando Poul Bremer, que está há 12 anos no poder e tenta sua quarta reeleição. O prefeito é um velhaco que conhece todas as manhas do cargo, mantém uma faceta diante do público e outra no gabinete. Ao invés de se dedicar a uma campanha limpa, busca formas de desacreditar seu oponente.

Meyer e Sarah, versão dinamarquesa
Troels é um político importante na cidade. Homem de princípios, ele representa a esperança do público para uma renovação política. Sua campanha propõe integridade, renovação sócio-cultural e transparência administrativa.
Sua esposa, grávida, morreu de câncer há alguns anos (na versão americana, ela morre em um acidente de carro provocado por uma motorista alcoolizada). A perda da esposa o levou à depressão e a um comportamento do qual não sente orgulho. Ao longo de meses, Troels frequentou um clube noturno, onde Nanna (a vítima) e sua tia trabalhavam como garçonetes.
Este clube criou uma rede social de encontros, do qual Troels se tornou ativo sob o pseudônimo de Fausto. Através dele, Troels manteve relações com diversas mulheres, até que, ao iniciar sua campanha para prefeito, passou a manter uma relação com sua assistente. A partir daí, ele se afastou da vida que levava.
No entanto, sua conta não foi fechada e seu pseudônimo passou a ser utilizado por outra pessoa, que marcou um encontro com Nanna. O carro onde Nanna foi encontrada, sua conta no site de encontros, o fato de seu apartamento ter sido utilizado pelo assassino e a recusa de Troels de revelar seu verdadeiro álibi leva a polícia a considerá-lo o principal suspeito pelo assassinato da jovem.
Tentando manter seu nome limpo, mas ao mesmo tempo perplexo com a quantidade de circunstâncias que o ligam ao caso, Troels se vê encurralado, sendo obrigado a tomar atitudes que comprometem sua proposta de campanha.
Por outro lado, Sarah está com pressa de resolver o caso. Sentido-se pressionada pela mãe, pelo noivo e por ela mesma para largar tudo e mudar-se para a Suécia, Sarah entra em um conflito emocional que a leva a cometer erros em sua linha de investigação. Tirando conclusões apressadas, passando por cima de evidências e atropelando as investigações, Sarah pula de um suspeito a outro tentando provar que cada um é o culpado, ao invés de seguir as pistas que a levem ao criminoso.
No entanto, seus instintos falam mais alto e ela mesma percebe que estava errada, o que a leva ao próximo suspeito. Somente quando Sarah percebe que seu trabalho lhe custou mais uma relação, quando a pressão para se mudar para a Suécia acaba, é que ela pára de cometer erros. A partir daí, ela dedica 100% de sua atenção ao caso que investiga o que, aos olhos de terceiros, a faz parecer paranóica. Mas apesar das aparências, Sarah está, pela primeira vez, no controle de suas ações e pensamentos, o que a leva à solução do caso.

Pernille, a mãe de Nanna na Dinamarca
Apesar disso, em nenhum momento da série original Sarah perde a calma. Não importa o nível de pressão ou situação, ela não se deixa abater. Sua mente controla seus atos o tempo inteiro. Ao contrário da série americana, sua relação com Troels se mantém amigável, mesmo quando ele é acusado pelo crime. Sua mente funciona pela lógica, cada peça precisa se encaixar. Quando ele é acusado, Sarah é a única que percebe que algo está errado. Enquanto a polícia está crente de ter pego o assassino, ela convence Meyer a seguir com as investigações, pois não acredita que o caso tenha sido encerrado.
Na série original, o noivo de Sarah tem uma presença maior na sua vida e ao longo das investigações. Ao contrário da produção americana, Bengt oferece apoio, mesmo não concordando com suas decisões. O caso de Nanna leva a um impasse na relação entre os dois, mas, mesmo assim, ele continua apoiando Sarah. Em três momentos cruciais, nos quais ela está em um beco sem saída é ele quem lhe mostra o caminho a ser seguido.
Traçando o perfil do criminoso, Bengt dá a Sarah sua primeira pista importante. Quando ela fica sem saber para onde conduzir suas investigações é ele quem diz a Sarah para voltar ao ponto de início e se concentrar no carro onde o corpo foi encontrado. Isto a coloca no caminho certo o qual, eventualmente, a leva a descobrir o assassino. E quando a polícia suspeita que Sarah possa ter sido responsável pela morte de um policial, é ele quem a tira da cadeia.
O terceiro núcleo da série é a família da vítima. A partir da morte da filha, Pernille se vê presa na contradição de querer que o responsável seja encontrado e a vontade de ser deixada em paz.
Para que o assassino seja localizado, ela precisa abrir as portas de sua casa e de sua vida a estranhos, que vasculham os objetos pessoais de sua filha, fazem mil e uma perguntas e acusações contra diversos suspeitos que, no fim, se tornam infundadas. Em 20 dias, o caso é encerrado e reaberto tantas vezes que Pernille começa a duvidar de que um dia o verdadeiro assassino seja realmente encontrado. Em meio a isso tudo, ela busca o isolamento.

Mitch, a mãe de Rose na série americana
Theis, o marido, tenta apoiá-la da melhor forma possível. Introspectivo, de poucas palavras, ele prefere seguir em frente a remoer sua dor. Ao contrário da versão americana, Pernille não fica sofrendo pelos cantos. De uma forma mecânica, ela mantém as tarefas da casa e os cuidados com os filhos, que aqui são menores. Pernille se torna apática, prostrada, mas não é melodramática. Seu olhar é distante, sem dor, vazio. Somente quando fala da filha é que a dor e as lágrimas aparecem, para logo depois se tornar vazia novamente.
Tal como Sarah, ela se torna obcecada por encontrar o assassino da filha. O fato a leva a expulsar o marido de casa, quando ela percebe que ele está mais disposto ‘a virar a página’. Após uma breve separação, ela percebe que é preferível manter o resto de sua família unida que separada.
Sua irmã não é tão presente em sua vida como na versão americana. Outra grande diferença entre “Forbrydelsen” e “The Killing” é a vida de Nanna/Rose Larsen. Na série dinamarquesa, Nanna é uma jovem que mantém uma relação com um homem mais velho e casado. Na série americana é sugerido que a jovem tenha se tornado uma prostituta de luxo (o que ainda não foi comprovado).
Outras diferenças significativas entre as duas séries:
Troels acredita realmente que seu assistente é responsável por vazar informações sigilosas para a imprensa, o que o leva a afastá-lo da campanha. Ele somente retornaria mais tarde, quando Troels tem provas de que ele é inocente. Na versão americana, Darren não acredita que ele seja o responsável mas o encarrega de se infiltrar ‘nas linhas inimigas’. Algo que Troels jamais faria.
Troels não conhecia o professor de Nanna. Ele fazia parte do grupo de professores que trabalhava com um grupo de meninos de rua em um projeto mantido pelo vereador. Os dois são apresentados quando a imprensa está presente, porque o professor foi um dos escolhidos para participar da campanha de divulgação do projeto. Troels mantém sua fé na inocência do professor pelo que ele representa, pelo que ele fez pelo projeto e por uma evidência em relação ao carro (desconhecida por Sarah). Desta forma, luta pela imagem do projeto e não porque ele conhece o caráter do professor. Quando a evidência ‘vai por água abaixo’, a fé do vereador na inocência do professor acaba.

Troels e sua assistente Rie, na Dinamarca
No original é uma foto que mostra o encontro entre Troels e Nanna. Na versão americana, é um vídeo. No original, ela é a última evidência apresentada contra ele, já no final da trama. De posse da foto, Troels se vê em um conflito moral: entrega à polícia, afirmando sua transparência e confiança em sua inocência ou omite a prova, tornando-se o político que ele acusa o oponente de ser?
As duas séries se separam a partir do episódio nove. Na produção original, é aqui que Sarah encontra o fio da meada que eventualmente a leva ao assassino: o carro com o tanque cheio. Na série americana, a história se separa do original quando Rose é identificada como uma possível prostituta de luxo que frequenta um Cassino, sendo que as investigações são interrompidas no episódio 11 para que Sarah, com a ajuda de Holder, possa localizar seu filho que desapareceu. Na série dinamarquesa essa situação não existe.
A propósito, o e-mail enviado por Sarah a Darren com o título de “Eu sei o que você fez”, também não existe na versão original, e Troels não sofre nenhum atentado contra sua vida.
Outra diferença está na fotografia. Na versão original ela é mais realista, enquanto que na série americana é utilizada uma fotografia gélida que acentua o óbvio: o distanciamento e isolamento entre os personagens.

Gwen e Darren, na série americana
Em seus primeiros episódios, “The Killing” seguiu a proposta da série dinamarquesa, com algumas diferenças de composição de personagens e situações apresentadas.
No entanto, ao chegar no episódio treze, a série americana se transforma em outra produção. Amontoando situações vistas ao longo de pelo menos três episódios da série original, “The Killing” ‘pisa na jaca’ ao atropelar a narrativa e alterar o ritmo de sua história, distorcer comportamentos e forçar situações com o objetivo de oferecer rapidamente algumas conclusões, as quais levaram a uma sequência de cenas sensacionalistas e melodramáticas.
A segunda temporada deverá concluir a trama de Rose Larsen. Segundo Veena Sud, responsável pela adaptação, os novos episódios finalizarão as investigações em torno dessa história e também introduzirão um novo caso.
Pela forma como a primeira temporada terminou, é possível que a segunda siga o mesmo ritmo proposto no último episódio exibido. Alterando, assim, a proposta de narrativa da série. O conteúdo já é outro, visto que Holder se revela parte de uma conspiração contra o vereador, algo que no original Meyer não era. Desta forma, é possível que o novo caso a ser investigado seja introduzido apenas no final da segunda temporada, também composta de 13 episódios, oferecendo um cliffhanger.
Seja como for, pelo conteúdo desenvolvido por “Forbrydelsen” e, até agora, por “The Killing”, fico com a primeira, sem pensar duas vezes.
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Por Fernanda Furquim: @fer_furquim