Breaking Bad Prepara-se para a 4ª Temporada
Alerta: se você não acompanha a série, o texto abaixo poderá conter spoilers. A série do canal americano AMC é uma produção que foi chegando de fininho. Vindo à sombra do sucesso de “Mad Men”, ela foi conquistando aos poucos seu espaço, seus prêmios e o reconhecimento da crítica. Ao contrário da primeira, “Breaking Bad” […]

Alerta: se você não acompanha a série, o texto abaixo poderá conter spoilers.
A série do canal americano AMC é uma produção que foi chegando de fininho. Vindo à sombra do sucesso de “Mad Men”, ela foi conquistando aos poucos seu espaço, seus prêmios e o reconhecimento da crítica. Ao contrário da primeira, “Breaking Bad” tem melhor aceitação de público em função de seu enredo, que gira em torno do tráfico de drogas, e de um desenvolvimento um pouco mais ágil.
A produção é uma criação de Vince Gilligan, um dos roteiristas, produtores e consultores criativos de “Arquivo X”. “Breaking Bad” teve início em 2008, e já está a caminho de sua quarta temporada, que tem previsão de estreia para julho de 2011 nos EUA. Esta é uma das produções que melhor representa as mudanças que o personagem principal de uma série de TV americana sofreu nas últimas décadas. Também é uma das séries que pertence à safra pós-11 de setembro.
A TV americana propagou ao longo de quatro décadas a figura do herói imaculado em seus seriados de TV. Ao longo desse período, que compreende as décadas de 50 a 80, foram poucas as vezes que surgiram anti-heróis no elenco principal, sendo que muitos deles representavam a figura do bandido simpático, ou o vilão que todo mundo adora.
A exemplo, temos o Capitão Monastário em “Zorro” que, segundo seu ator, Britt Lommond, já falecido, foi retirado da trama porque estava conquistando tantos fãs quanto o herói mascarado; na década de 60, o bandido mais simpático das séries foi sem dúvida o Dr. Smith de “Perdidos no Espaço”. Ao longo das décadas de 70 e 80 surgiram o Sr. Schubert em “O Homem do Fundo do Mar”, embora a série não tenha feito sucesso nos EUA, apenas no Brasil; ou Nellie Oleson em “Os Pioneiros”, embora poucos a considerem simpática; ou ainda Major Burns e Lábios Quentes em “Mash”, bem como JR Ewing em “Dallas”. A lista é enorme então vou parar por aqui.
A partir de 1990, com a estreia de “Twin Peaks” tudo mudou de figura; o herói se uniu ao bandido e, a partir dos anos 90 (com poucos exemplos anteriores), cresceu o número de séries que apresentavam personagens ambíguos. Leia matéria a respeito aqui. O sucesso de “Oz”, série da HBO com seis temporadas, estabeleceu o anti-herói na categoria de personagem principal. Em sua esteira surgiriam “A Família Soprano”, “The Shield”, “Dexter”, “Weeds”, “Californication”, “Mad Men”, “Sons of Anarchy”, “Curb Your Enthusiasm”, “Boston Legal”, “The Office”, “The Riches”, “Nurse Jackie”, e “Breaking Bad”, entre outras; séries que apresentam em sua estrutura personagens principais com um comportamento moral repreensível.
“Breaking Bad” trabalha a linha de “Twin Peaks” no que diz respeito ao desenvolvimento do personagem, que saiu das características do herói para se tornar o anti-heroi da trama. Mas, enquanto que em “Twin Peaks” a série encerrava justamente no momento em que a transformação ocorria, em “Breaking Bad” acompanhamos esse processo que vem acontecendo ao longo das três primeiras temporadas já produzidas.
Em maio desse ano comentei aqui a influência dos ataques do 11 de setembro nas séries de TV americanas. “Breaking Bad” é uma das produções que surgiram em decorrência do fato. Uma das principais questões que os ataques levantaram na mentalidade do público americano foi o sentido da vida e é justamente esse o tema no qual a série se baseia.
Walter é um pacato professor de química que descobre sofrer de câncer. Desiludido e sem dinheiro, ele decide fazer alguma coisa para deixar sua família (composta de esposa, um filho e uma menina ainda por nascer) em boa situação financeira. Correndo contra o tempo e cedendo ao orgulho que não lhe permite pedir ajuda, Walter investe na fabricação de metanfetamina. O produto passa a ser vendido por um de seus ex-alunos, que já estava envolvido no tráfico de drogas, mas de forma superficial.
A doença de Walter, simbolicamente, representa os ataques terroristas em território americano. O câncer começou a se formar no corpo (país) de Walter há muitos anos, mas não foi percebido por ele; somente quando se manifestou (ataques) é que ele (povo) se deu conta do que estava acontecendo e suas conseqüências. Aos poucos, o câncer vai tomando conta de cada célula de seu corpo, deixando Walter indefeso. Enquanto seus médicos (governo) realizam o tratamento quimioterápico (guerra) que consideram necessário para eliminar a ameaça, Walter começa a questionar o sentido da vida, ao mesmo tempo em que toma atitudes radicais para tentar aproveitar ao máximo o tempo que lhe resta.
Ao descobrir que tem pouco tempo de vida, Walter percebe que não a viveu. Suas frustrações o levam a querer experimentar emoções extremas; sua atenção se volta para as pequenas coisas na vida, como tentar sair da rotina, chegando aos perigos de traficar. A vida de criminoso dá à Walter a chance de estar frente à frente com a possibilidade de morrer antes mesmo do câncer conseguir matá-lo, dando-lhe, assim, o poder sobre seu corpo.
Ao mesmo tempo, ele vive os prazeres da vida dupla. A princípio, não revela à sua família sua doença; esta é descoberta por eles mais tarde. Quando todos se organizam para ajudá-lo e dar a ele o amor e o carinho que todo doente terminal supostamente necessita, Walter volta a sentir-se frustrado pois, novamente, perdeu o domínio sobre sua vida, seus prazeres e suas decisões. Ainda lhe resta o segredo do tráfico; a vida de perigo que ele mantém em separado, sustentada por outra identidade.
Mas, então, ocorre algo que ele não esperava. Walter descobre ter se curado do câncer. Ao menos da doença ele não morre. Agora, terá que conviver com as conseqüências de seus atos. Na vida real, os EUA passaram pela guerra, supostamente eliminando os ataques terroristas, para caírem em uma crise financeira. O governo tem dinheiro, o qual é oferecido às empresas particulares para que elas possam se recuperar. Recebendo a ajuda financeira, as empresas buscam uma forma de justificar gastos e prêmios à funcionários exemplares.
Na série, esses problemas são retratados na forma como Walter precisa buscar a ajuda de um cartel (governo) para conseguir manter seus negócios. Agora com dinheiro, Walter não pode gastá-lo desordenadamente. Assim, precisa da ajuda de um contador para conseguir justificar seus ganhos. É aí que sua esposa entra na história.
Skyler também é uma personagem que representa bem a figura feminina nas séries de TV. Ela passou da heroína ingênua, mãe de família, profissional honesta, para a personagem que aceita e toma parte do crime do colarinho branco, trai o marido e negligencia os filhos. Tudo em nome do bem maior: a satisfação pessoal e a qualidade de vida.
Ainda no elenco temos Jesse, um traficante e drogado, que age antes de pensar. Ele tenta fazer o caminho inverso quando sua namorada morre, mas percebe que a vida de ‘graúdo’ não lhe serve. Ele é um ‘país de terceiro mundo’ dominado pela vontade de Walter. Berra, esperneia, protesta, ameaça, mas no final faz tudo o que ele pede. A dúvida é: por quanto tempo?
O anti herói representado por Walter foi capaz de fabricar drogas, promover seu tráfico, de matar e de ordenar a morte de terceiros. Comportamento nada condizente com a figura do herói que aqui é representada por seu cunhado, Hank, um policial. Casado com a irmã de Skyler, uma cleptomaníaca, ele é a imagem do herói tradicional; a figura do americano que está, aos poucos, desaparecendo das produções da TV a cabo dos EUA. Também não se sabe por quanto tempo ele conseguirá manter-se nessa posição.
A construção dos personagens e seu desenvolvimento psicológico e emocional é sutil. O trabalho que os roteiristas fizeram para traçar os movimentos internos de cada personagem é fantástica. Gradualmente, cada um deles, em estágios diferentes, dá uma volta de 180º em suas vidas, permitindo que eles sigam, a cada temporada, um caminho diferente daquele que parecia ter sido traçado no início, e diferente daquele que pudéssemos concluir que seguiriam.
A terceira temporada da série terminou em um cliffhanger (situação em aberto para conclusão no próximo episódio). No Brasil, a série chegou primeiro em DVD antes de estrear na TV. Já renovada para uma quarta temporada, os atores tentam prever o que acontecerá com Walter, Jesse e os demais personagens (veja no vídeo abaixo).
Enquanto os novos episódios não chegam, o canal AMC disponibilizou em seu site uma versão interativa em quadrinhos da série na qual o internauta poderá escolher as opções e os movimentos dos personagens em cena. Veja aqui.