Atores virtuais de Hollywood
Esta semana surgiu a notícia de que a empresa CORE Media Group (ex-CKx), detendora da marca Elvis Presley, acertou um contrato com a Domain Media Group para que a imagem virtual do ídolo do rock seja utilizada em shows, filmes, programas de entretenimento e séries de TV, além de veículos das novas mídias. A Domain […]
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Esta semana surgiu a notícia de que a empresa CORE Media Group (ex-CKx), detendora da marca Elvis Presley, acertou um contrato com a Domain Media Group para que a imagem virtual do ídolo do rock seja utilizada em shows, filmes, programas de entretenimento e séries de TV, além de veículos das novas mídias.
A Domain foi a responsável por dar vida ao cantor rapper Tupac Shakur, que se ‘apresentou’ no Coachella Music Festival em abril deste ano interpretando duas canções (vídeo acima) e interagindo com o público. Fato que deve ter feito os herdeiros de Elvis perceberem o lucro que o cantor ainda poderá gerar no futuro. Em função da repercussão em torno do show ‘protagonizado’ por Tupac, o comediante Bill Murray declarou em entrevista ao talk show comandado por David Letterman que deseja ficar confortavelmente em casa enquanto seu holograma trabalha por ele.
A Authentic Brands já teria adquirido os direitos de explorar a imagem de Marilyn Monroe e de Bob Marley em versões computadorizadas para produções cinematográficas, televisivas e outras mídias. Outros famosos devem ser resgatados no futuro, engrossando a lista de atores mortos que poderão voltar à vida, em uma espécie de Frankenstein moderno, para protagonizar cenas em filmes.
Chamados de ‘holoactors’ eles já fazem parte da indústria cinematográfica. O primeiro filme a criar um ator virtual que interage com outros teria sido O Enigma da Pirâmide/The Young Sherlock Holmes (1985), de Steven Spielberg, que apresentou um cavaleiro em sua armadura surgindo na frente de um dos personagens, desafiando-o para uma luta (vídeo abaixo).
Em 1987, o curta franco-canadense Rendez-vous à Montréal criou uma versão em computador de Humphrey Bogart e Marilyn Monroe, atriz que também atuou em um comercial da Dior em 2011, quando teve seu rosto sobreposto ao de uma modelo. Grace Kelly ganhou o mesmo tratamento no comercial. Nomes como James Cagney, Louis Armstrong, Fred Astaire, Cary Grant, Steve McQueen, John Wayne e Bogart já estrelaram comerciais após a morte.
Em 1994, quando Brandon Lee, filho de Bruce Lee, faleceu durante a produção do filme O Corvo, faltavam cerca de sete cenas para o estúdio completar o filme. Assim sendo, um dublê foi contratado e uma empresa ficou responsável por inserir o rosto do ator digitalmente.
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Hoje ninguém mais se lembra ou se importa com essas produções. Mas, juntamente com Guerra nas Estrelas, Jornada nas Estrelas: a Ira de Khan, Tron e Caçadores da Arca Perdida, elas abriram um mundo de possibilidades para os efeitos visuais. Ao longo dos anos, Hollywood se aprofundou nessa área, oferecendo filmes como The Final Fantasy (2001 – video abaixo), totalmente estrelado por atores gerados por computador, e a saga Senhor dos Anéis (2001-2003), que utilizou um dublê para servir de base para o personagem Gollum, gerado por computador. O que hoje é comum.
Nas séries de TV o Channel 4 da Inglaterra produziu em 1985 o filme piloto Max Headroom: 20 Minutes in the Future (segundo video abaixo), no qual introduziu um apresentador de talk show gerado por computador. Utilizando o rosto e a voz do ator Matt Frewer como referência, o personagem chamou a atenção do canal americano ABC, que em 1987 produziu uma série de TV.
Reutilizando várias cenas do filme piloto, a versão americana teve um total de 14 episódios. O cancelamento da série não impediu que o canal Cinemax produzisse um talk show no qual Max entrevistava, via tela de TV, atores convidados. Esta produção pode ser considerada os primórdios do holoactor nas séries de televisão.
A utilização do CGI (computer generated image) somente começaria a ser utilizada nos seriados a partir de 1993, com Babylon 5 e Seaquest DSV, criando efeitos visuais e cenários virtuais.
Atualmente existem três situações que levam os estúdios a apelar para o uso de holoactors. A primeira é a mais comum: figurantes. Sempre que um filme ou uma série necessita de uma multidão para compor o cenário, os produtores ‘chamam os holoactors’. A segunda situação refere-se às cenas perigosas. Quando um ator não pode protagonizar uma cena de ação, mas necessitam mostrar seu rosto, cria-se uma imagem holográfica que o substituirá, algumas vezes sendo sobreposta no dublê real. A terceira situação, menos utilizada por ser mais cara, é a utilização de um holoactor como personagem da trama, com histórico, interferência na ação, interação com atores reais e diálogos.
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Existem dois tipos básicos de abordagens tecnológicas para a criação de um ator holográfico: a direta e a indireta. A primeira tem como base o processo de digitalização que captura o físico, os movimentos e as expressões faciais de um ator modelo. Neste processo, câmeras infravermelhas são colocadas ao redor do ‘molde’ enquanto ele atua em um cenário de fundo verde (ou azul). Jogado no computador, um programa cria a versão virtual do ‘molde’, que poderá ser utilizado em qualquer cena de filme que um diretor desejar.
O segundo processo, o que está em questão aqui, é aquele que traz à vida pessoas já falecidas. Para tanto, é utilizado um material de referência existente: fotos, esculturas ou filmes. O uso de fotos e filmes permite que um programa compare pontos comuns entre diversas imagens que mostram o ‘molde’ em diferentes ângulos, levando a uma imagem tridimensional. No caso de uma escultura, geralmente um busto, já se tem essa imagem, a qual é utilizada da mesma forma que o primeiro processo com uma pessoa viva. Também é possível esculpir a imagem de uma pessoa diretamente no computador, utilizando fotos e filmes do ‘molde’ como referência para o pintor virtual. Depois, um programa cria os movimentos do ‘molde’ a partir de um ator vivo. Já a voz é captada através de uma compilação digital de palavras pronunciadas pelo ‘molde’, extraídas de filmes, entrevistas ou discos. Para completar o arquivo de palavras, pode-se utilizar uma pessoa que saiba imitar a voz do ‘molde’.
Obedientes, sem problemas pessoais, de personalidade, de temperamento ou de horários, imortais, podendo viver diferentes fases da vida de seus personagens (ou a si mesmos) em uma única produção, incansáveis e sem nenhuma inteligência própria (considerando que ainda não existe a inteligência artificial no mesmo nível que a humana), eles poderão se tornar os atores ‘ideais’ do futuro.
Atores recém falecidos poderão continuar estrelando suas séries ou filmes, o mesmo vale para aqueles que adoecem ou ficam de alguma forma incapacitados de dar continuidade às suas carreiras. Atores com múltiplos contratos poderão estrelar todas as produções que desejarem sem ter a obrigação de escolher uma delas ou tirar férias; e atores infantis não precisarão cumprir horários. Séries de época com certeza se beneficiarão com os holoactors de pessoas famosas (se tiveram orçamento para isso).
Em torno dessa questão existem alguns problemas. Um ator virtual não é capaz de criar um personagem, compreendê-lo e desenvolvê-lo. Desta forma, o que se terá é o personagem criado com a imagem de um ator conhecido, já falecido ou vivo (considerando que as versões virtuais de atores famosos poderão ter prioridade em relação aos holoactors comuns), que transformarão muitos atores limitados ou medíocres (mas famosos) em bons atores (?) ou capazes de realizar proezas que jamais fariam na vida real.
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Com isso, deve-se levar em consideração o fato de que a personalidade, os desejos e as opiniões de um ator já falecido não interferirão na escolha de um papel, sendo que eles também não oferecerão sua própria visão sobre como ele deve ser construído.
Laurence Olivier gostaria de fazer uma série de TV? John Wayne faria um faroeste moderno? Katherine Hepburn faria cenas de sexo? Elvis Presley desejaria atuar em uma série musical?
Em casos mais extremos, no futuro, com programas disponibilizados para venda ao consumidor, poderemos ter a proliferação de holoactors à imagem e semelhança de atores/personalidades favoritos em vídeos experimentais e caseiros, enquanto Hollywood cria um holoactor ‘semelhante’ a um ator famoso já falecido e tenta convencer os herdeiros deste que não se trata de uma cópia virtual mas uma adaptação e que portanto não lhes deve nada (afinal, isso é o que já fazem com os remakes ou versões de filmes e séries).
Em vida, todos os atores estão protegidos contra o uso não autorizado de suas identidades para fins publicitários. Após a morte, eles podem cair em domínio público, tendo em vista seu valor cultural. Atualmente nos EUA apenas treze estados, incluindo a Califórnia, reconhecem os direitos de proteção à imagem após a morte. Nova Iorque é um dos estados que não reconhece. Isto significa que os herdeiros de atores ou celebridades que residiam no estado de NY na época de sua morte não têm direitos sobre suas imagens. Algo que poderá ser debatido nos tribunais, caso cheguem a esse ponto.
O tempo de duração desses direitos varia de estado a estado. Na Califórnia, os direitos da imagem de uma pessoa pública duram cerca de 70 anos após a morte (segundo o Código Civil da Califórnia). Mas, em outros estados, o período pode variar entre dez a 100 anos.
Apesar de todas as discussões que o uso de holoactors gera, estamos criando uma geração cada vez mais dependente das novas mídias/tecnologias e que já está acostumada ao visual dos personagens de video games. Assim sendo, é natural que na evolução de Hollywood, cada vez mais à mercê de blockbusters, os holoactors, famosos ou não, sejam utilizados como um recurso dos produtores, interagindo ou não com atores reais como parte do elenco. Mas o uso de holoactors famosos deverá ficar restrito a situações ocasionais, quando muito uma moda passageira, até que uma novidade maior e melhor a substitua.
Fernanda Furquim: @Fer_Furquim