A verdadeira família Ingalls
Quem assistiu à série Os Pioneiros já foi apresentado à família Ingalls. Produzida entre 1974 e 1983, a série introduziu ao telespectador a história de Charles Ingalls e sua esposa Caroline que, com suas três filhas, Mary, Laura e Carrie, viveram no final do Século XIX em uma pequena casa de Walnut Grove. Procurando abordar […]
Quem assistiu à série Os Pioneiros já foi apresentado à família Ingalls. Produzida entre 1974 e 1983, a série introduziu ao telespectador a história de Charles Ingalls e sua esposa Caroline que, com suas três filhas, Mary, Laura e Carrie, viveram no final do Século XIX em uma pequena casa de Walnut Grove.
Procurando abordar os mesmos valores familiares de Bonanza, o ator Michael Landon, que na série de faroeste interpretou Little Joe, convenceu a rede NBC a produzir o telefilme Little House on the Prairie. Apresentando uma família de pioneiros que vive nas planícies do Kansas no período pós-guerra civil, o telefilme termina com os Ingalls sendo expulsos de sua casa por uma ordem do governo.
A boa audiência levou à produção da série, que apresentou a família se estabelecendo na pequena cidade de Walnut Grove, em Minnesota, onde fazem amigos, vencem obstáculos e emocionam o público com estórias dramáticas, tocantes, por vezes cômicas e românticas.
A série, que transformou os Ingalls em um modelo de família a ser seguido, foi livremente inspirada na autobiografia de Laura Ingalls Wilder. Entre 1929 e 1930, já beirando os 60 anos de idade, Laura escreveu suas memórias, nas quais narra a sua vida, a de sua família, bem como a de pessoas que ela conheceu. Com o título de Pioneer Girl, o livro foi oferecido a diversas editoras na década de 1930, mas nenhuma delas se interessou em publicar a obra. Com a ajuda da filha, a escritora Rose Wilder Lane, Laura revisou sua autobiografia, adaptando-a para o público infantil. Com uma versão romantizada e idealizada da vida no final do Século XIX, Laura conseguiu que sua autobiografia fosse publicada, tornando-se um sucesso de público.
Entre 1932 e 1943, foram publicados oito livros, cada um focando um período ou um tema relacionado à vida de sua família e daqueles que ela conheceu. Outros quatro foram publicados após sua morte em 1957, aos 90 anos de idade. Estes últimos tiveram como base cartas escritas por ela, bem como diários e manuscritos.
Esta série literária serviu de base para a produção da NBC. Mas, se a versão infantil já vinha censurada, a adaptação da TV foi mais além. Romantizando ainda mais os fatos e idealizando situações, a série criou e condensou personagens, inventou e mudou situações. Temos como exemplo Albert, Cassandra e James, filhos adotivos dos Ingalls na série que não aparecem nos livros de Laura.
Ao longo de anos, os fãs da série Os Pioneiros que se interessaram em conhecer a verdadeira história dos Ingalls se contentaram com os livros publicados por Laura. Agora eles terão a oportunidade de conhecer a versão real da história desta família.
No dia 20 de novembro a South Dakota Historical Society publicará o livro Pioneer Girl, que traz a história originalmente escrita por Laura na década de 1930. Ao longo de todos esses anos, o texto foi preservado pelo Laura Ingalls Wilder Historic Home and Museum, em Mansfield, Montana, sem nunca ter sido publicado.
A história é a mesma perpetuada pela versão infantil. O diferencial fica por conta de passagens nas quais Laura narra situações mais violentas, realistas e tristes que tinham sido excluídas da versão infantil.
Segundo foi divulgado pela editora, a versão original da vida de Laura apresenta situações de violência doméstica, um triângulo amoroso que não termina bem e a morte de um homem que, ao tentar ascender um charuto, provoca um incêndio com o bafo do álcool. Entre as passagens citadas está a forma como Laura e Mary ajudaram a matar o porco da família e depois se divertiram jogando futebol com a bexiga inchada do animal.
Na versão infantil de sua autobiografia, Laura excluiu do texto o ano em que a família morou em Burr Oak, Iowa. Por considerar uma época triste para a família, ela decidiu excluir esta passagem, que aparece em Pioneer Girl.
Algumas situações já retratadas na primeira versão (e posteriormente na série) são apresentadas em Pioneer Girl com mais detalhes, como a praga de gafanhotos de 1870, que acabou com a plantação deixando muitos moradores de Minnesota passando fome e sem emprego.
O livro também introduz o leitor aos personagens que serviram de inspiração para a série de TV, como as três meninas transformadas em Nellie Olsen, bem como novos personagens. Entre eles, o casal George e Maggie Masters e seus filhos que, durante o inverno de 1880, viveram com os Ingalls. O livro também revela que Mary ficou cega por causa de uma meningite viral e não por consequência de uma escarlatina. Ao escrever a versão infantil, Laura achou que o público compreenderia melhor a situação se a doença fosse escarlatina.
O pai de Laura foi uma pessoa muito importante em sua vida. Razão pela qual ele aparece no livro e na série em destaque. Laura idolatrava o pai, descrito como um homem apaixonado por música, poesia, bem como caçadas.
Na vida real, ele foi uma membro ativo da sociedade. Charles chegou a exercer o cargo de juiz de paz e foi membro da diretoria de escolas. Ele morreu em 1902 e em seu obituário, o jornal de DeSmet, onde vivia, o retratou como um cidadão honesto e religioso, justo em seus negócios e em seus relacionamentos pessoais; carinhoso e cortês com os amigos e vizinhos; leal e amoroso com a família. Mas existem passagens no livro Pioneer Girl que conseguem revelar o homem por trás do mito.
Laura descreve uma situação em que, sem dinheiro para pagar o aluguel, Charles foge com a família durante a noite, evitando o confronto com o senhorio, a quem ele classifica como um velho rico e sovina. O pai retratado na série e na versão infantil da obra de Laura jamais tomaria tal atitude.
Embora a série de TV tenha passado a ideia de que os Ingalls viveram em Walnut Grove durante muitos anos, deixando a cidade quando as crianças já estavam adultas, na vida real eles moraram lá por apenas cinco anos. Em 1879, a família se mudou para De Smet, na Dakota do Sul, onde passou o resto da vida. Nesta época, Laura tinha cerca de treze anos de idade. Quando ela se casou, Laura e o marido foram morar na Flórida e depois no Missouri.
Pioneer Girl contará com mais de cem fotos reunidas pela editora após uma extensa pesquisa histórica. Visto que a obra retrata a passagem da família por diversos locais, ela trará mapas da época e anotações feitas por Pamela Smith Hill, biógrafa de Laura.
Apesar do belo retrato de uma família e seus valores, a maior contribuição da autobiografia de Laura (seja em sua versão amena ou na realista) é riqueza de detalhes que ela oferece sobre a rotina de uma cidade. A obra é capaz de oferecer aos curiosos e aos historiadores uma visão cultural de como era a vida no interior dos EUA, no final do Século XIX.
Atualmente, a série Os Pioneiros é exibida pelo canal TCM.
Cliquem nas duas primeiras fotos.