‘This Is Us’: O novelão que fez história ao olhar para a vida como ela é
Amparado por um melodrama renovado, a série americana protagonizada pela família Pearson se despede ao fim de seis emotivas temporadas

Um casal americano comum se prepara para receber trigêmeos. O parto não sai como esperado e um dos bebês não sobrevive. Enquanto aguarda a recuperação da esposa, o marido descobre que, na mesma noite, um recém-nascido foi abandonado na frente de uma estação de bombeiros e agora está no hospital. Ele vê a situação como um sinal: ao adotar a criança abandonada o casal vai, como esperado, sair de lá com três bebês – um detalhe importante é que a família é branca e o bebê adotado é negro. Essa é a base de This Is Us, série que, nesta quinta-feira, 26, exibe no Star+ seu último episódio após seis temporadas. Sucesso inesperado da TV americana, que fez fama por seu poder de provocar lágrimas dos espectadores, This Is Us nasceu como um novelão que desafiava diversos códigos do gênero – e ainda ia na contramão de uma era distinta no mundo das séries.
Quando estreou, em 2016, This Is Us era um ponto fora da curva. Na época, a programação televisiva esbanjava dinheiro em tramas grandiosas, como Game of Thrones e Stranger Things. Também havia um filão de forte teor político, encostando na eleição de Donald Trump naquele ano, como The Handmaid’s Tale e House of Cards. Criação do americano Dan Fogelman, que assinou roteiros de comédias como Amor a Toda Prova e Última Viagem a Vegas, This Is Us se revelou um conforto melodramático de fórmula ousada. Para começar, a trama folhetinesca exibia um total de zero vilão.

Na trama, pessoas normais, com dilemas cotidianos, se alternam entre o lado bom e sombrio da força: ninguém é totalmente bom, enquanto poucos são exageradamente ruins. Sem forçar a barra pela correção política, a série ainda exibiu, com naturalidade e propriedade, corpos dos mais distintos. O filho negro é Randall Pearson (vivido na vida adulta com brilho por Sterling K. Brown), que, ao longo da série, busca lidar com a dor do abandono e a cobrança interna de ser sempre o melhor – uma herança por ser o único negro em muitos ambientes repletos de pessoas brancas. A irmã do trio, Kate (Chrissy Metz), se tornou uma das poucas (e talvez a mais marcante) protagonista obesa da TV. Já Kevin (Justin Hartley), que completa a tríade de irmãos, é um ator frustrado conhecido principalmente pelo abdômen sarado – e seu problema com alcoolismo. Os três amadurecem e aumentam a família, enquanto vivem, ao lado da mãe, Rebecca (Mandy Moore), sob a sombra da morte trágica e prematura do pai, Jack Pearson (Milo Ventimiglia).

Por seis temporadas, This Is Us teve momentos sublimes e outros nem tanto. Mas assim também é a vida real. Não era difícil, de alguma forma, se identificar com os personagens, sentir suas dores e alegrias e observar as agruras do viver fora das telas de um modo mais otimista — um efeito advindo da trama repleta de pitadas motivacionais. Sua melhor sacada, porém, foi transitar por diferentes gerações da mesma família, desde a infância de Rebecca e Jack entre os anos 50 e 60, passando pelo relacionamento dos dois e seus sonhos para o futuro – um bocado deles frustrados –, chegando ao nascimento dos filhos e suas diferentes fases, e à vida adulta deles e da relação dos mesmos com seus próprios filhos. Até a pandemia fez uma participação na trama, com seus personagens de máscara e ansiosos por uma vacina. This Is Us chega ao fim, mas a vida como ela é, com seus altos e baixos, continua — com uma pitada extra de esperança, graças à família Pearson.