Sucesso da Netflix, ‘Heartstopper’ dá a jovens LGBT chance de final feliz
Em novas séries de sucesso, a tragédia carregada cede lugar à leveza dos apaixonados
Acomodados em um sofá aconchegante, mãe e filho discutem qual filme será visto (ou revisto) por eles. Meio acanhado, o menino de 15 anos digita na busca do celular: “filme gay”. O primeiro resultado é Moonlight — Sob a Luz do Luar, drama vencedor do Oscar em 2017 sobre as agruras de um rapaz negro, pobre e homossexual. Alheia às inquietações do filho, a mãe escolhe Piratas do Caribe. O jovem em crise sobre sua orientação sexual é Nick (Kit Connor), um dos protagonistas da série inglesa Heartstopper, mais recente febre da Netflix — já renovada para mais duas temporadas. Bonito, tímido e ótimo jogador de rúgbi, Nick é o garoto dos sonhos de boa parte das meninas de sua faixa etária, mas se torna também a paixão platônica de Charlie (Joe Locke), seu colega de escola e gay assumido. Certo dia, Nick percebe que gosta de Charlie, mas não está tão bem resolvido quanto ele — o que não o impede de, aos poucos, procurar respostas para as borboletas no estômago que surgem quando está perto do amigo. No percurso de oito episódios curtos e calorosos, Charlie e Nick cultivam laços de amizade e confiança que culminam em paixão — e, ainda bem, eles seguem uma trajetória mais afortunada que a do angustiante Moonlight.
Amparado por uma simplicidade reconfortante, desde o roteiro sem firulas até a graciosidade de atores estreantes — além de intervenções gráficas nas cenas, como folhas e coraçõezinhos animados, deixando sentimentos pungentes ainda mais explícitos —, Heartstopper marca uma virada curiosa nas produções LGBTQIA+. Além dela, obras como a série Com Amor, Victor, no Star+, e o filme Apresentando, Nate, no Disney+, mostram adolescentes gays em conflitos de identidade e às turras com o velho bullying — mas agora com o respaldo de pais amorosos, professores compreensíveis, amigos fiéis e um crush para chamar de seu.
É uma virada e tanto. Até aqui, protagonistas homoafetivos pareciam presos a dois caminhos: de um lado, o drama trágico; do outro, a comédia estereotipada. Infâmia (1961), primeiro filme abertamente lésbico de Hollywood, com Audrey Hepburn e Shirley MacLaine, servia como alerta para o sofrimento de quem “opta” pela homossexualidade. Em 1993, Filadélfia abraçou o viés da humanização ao retratar as provações de um homem HIV positivo, interpretado por Tom Hanks. Aepidemia da aids se tornou, então, um substrato onipresente e cansativo (mas necessário) do filão. Até ser substituída por romances trágicos banhados em lágrimas, como O Segredo de Brokeback Mountain (2005). Enquanto isso, comédias purpurinadas à la Priscilla, a Rainha do Deserto (1994) ampliavam o alcance do tema entre o público em geral, mas perpetuavam preconceitos.
Adolescentes gays em busca de respostas e identificação nem ao menos se encaixavam na classificação indicativa dessas tramas. “Aos 13 anos, o que eu mais queria era um filme gay para ver em família. Agora, fiz um”, já declarou Tim Federle, diretor de Apresentando, Nate. No longa juvenil da Disney, Nate (Rueby Wood) tem 13 anos e sonha em ser astro da Broadway. Na trilha até os palcos, o menino evidencia saber quem é, apesar da tenra idade. “Eu te amo, mas não assim”, diz à amiga que acaba de se declarar, logo após comprar um acessório de arco-íris para a mochila. Na mesma faixa etária de Heartstopper, a série Com Amor, Victor — derivada do filme Com Amor, Simon — observa o amadurecer de um garoto rumo ao lado de fora do armário. Os dilemas podem se repetir — mas o final feliz agora é um direito amplo e irrestrito.
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791
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